Esta semana foi pródiga, mais uma vez, em dar ênfase ao indevido, dando mais som e palco ao alegado desconforto da PJ relativa à operação de investigação que a PSP levou a cabo e que culminou na apreensão de quase 6 toneladas de haxixe, mais do que destacar, com elementar justiça, os méritos da mesma, podendo juntar a ela, numa única semana, a detenção de mais 2 suspeitos e à apreensão de mais de 100 kgs de haxixe, e ainda a detenção de 7 colombianos pertencentes a uma rede criminosa organizada que se dedicava a furtos a residências em todo o território nacional. Se estes factos não seriam, per se, suficientemente reveladores do papel central da investigação criminal da PSP no combate ao fenómeno criminal, então vamos dedicar um esforço adicional à apresentação e análise de dados atuariais que permitirão, acreditamos nós, desmistificar algumas erradas perceções do papel que a PSP, de entre os demais órgãos de polícia criminal, em primeira linha os chamados “genéricos” nos termos da Lei de Organização de Investigação Criminal – PSP, GNR e PJ -, assume no combate a este flagelo criminal que tanto tem contribuído para a sedimentação de bolsas de insegurança, em concreto, e de um sentimento de insegurança, em geral, por todo o nosso território. Ora, não se pense que este artigo pretenda demeritar ou apoucar qualquer dos atores do sistema, concordando ou não com o mesmo, antes destacar o valor e esforço empreendido pelos milhares de profissionais que diariamente lutam para esventrar estas redes criminosas tentaculares que, desde sempre, transcendem as nossas fronteiras, integrando uma teia global intrincada entre centros de produção até ao consumidor final. O combate impõe-se, está bem de ver, a um nível outrossim global, que exige um esforço concorrencial positivo entre todos os atores dos sistema policial doméstico, com todas as demais agências policiais do mundo, não havendo lugar a guerras de pacotilha ou a paralelismos bacocos que passam uma má imagem para quem espera muito das Polícias deste país, por oposição à leitura que lentes criminosas farão (e acreditem que elas estão atentas) desta guerrilha sem sentido e profundamente autofágica do sistema. Mas vamos perscrutar os dados dos últimos 14 anos no que ao combate do tráfico de droga diz respeito e que abrange, grosso modo, uma análise do número de detenções e apreensões, globais e por tipologia de droga (as mais comuns), realizada pelos 6 órgãos de polícia criminal que mais contribuem/uíam (o SEF está aqui incluído até à sua extinção) para o seu combate, designadamente PSP, GNR, PJ, SEF, Polícia Marítima e Alfândegas. Comecemos pelo volume global de detenções. Figura 1 – Evolução número de detidos por cada um dos OPC. O trio PSP, GNR e PJ abrange, como seria de esperar, o maior volume de detenções, com a PSP a ocupar, com destaque, o lugar cimeiro, com quase 63% em média, do número de detenções/ano, chegando, por duas vezes, a superar a fasquia dos 70% nos pretéritos [e não muito longínquos] anos de 2017 e 2018. Passemos agora a análise das apreensões. Figura 2 – Número médio de apreensões nos últimos 14 anos por tipologia de estupefaciente (Kg). Mais uma vez, também neste capítulo, o trio PSP, GNR e PJ assumem quase a totalidade do número de apreensões, sendo, também neste parâmetro, a PSP a assumir, em toda a linha, os maiores valores, mostrando bem o quão está permanentemente empenhada no combate ao fenómeno. Decompondo agora por volume, entenda-se, as quantidades apreendidas por cada tipologia, teremos o seguinte retrato. Figura 3 – Percentagem de apreensões tendo em conta a quantidade por tipologia de estupefaciente. Através deste gráfico percebe-se melhor os níveis de maior incidência de cada um dos OPC, em especial os “genéricos”, consoante se trate de tráfico terreste, marítimo ou aéreo, sendo estes últimos dois exclusivamente predecessoras do primeiro, já que esse é o seu destino final, daí que as apreensões neste âmbito reportem, invariavelmente, a grandes quantidades de estupefaciente, sobretudo o marítimo – feito, entre outras, através de lanchas rápidas, submarinos e/ou contentores comerciais. Consegue-se perceber, com efeito, que a PJ assume a maior despesa no que toca às apreensões de cocaína (fruto também da maior pressão que Portugal tem sentido segundo nos últimos tempos, sendo considerado pela Agência da União Europeia sobre Drogas ), com mais de 90% do volume global de cocaína apreendida, enquanto que as grandes quantidades de haxixe, proveniente quase na sua plenitude de Marrocos (zona do Rife), têm sido realizadas pela GNR e PJ, a maior parte em alto mar, na costa algarvia e rio Guadiana, com quase 90% de todo o volume. Por oposição, no que toca à heroína cujo transporte é feito quase todo ele por via terreste, desde os seus principais produtores (Afeganistão e Paquistão), entrando nos circuitos e marcados europeus, a PSP é quem assume mais de 70% do volume de apreensões deste opiáceo. Por fim, no que ao esctasy diz respeito, a PSP assume a maior percentagem do volume de apreensões, juntamente com a PJ, que, lembre-se, ainda há bem pouco tempo, desmantelou laboratórios de produção de drogas sintéticas. Da análise dos dados que acabámos de apresentar conseguimos facilmente perceber a importância indesmentível que as Forças de Segurança, PSP e GNR, a par da PJ, têm desempenhado no combate ao tráfico de droga, fruto do seu trabalho de investigação criminal, de cooperação internacional e também de prevenção criminal, todas elas ocupando um lugar insubstituível e primário nesta alargada resposta. Deixa por isso de fazer sentido algum a existência de uma primazia normativa que atribui prevalência à PJ no combate ao tráfico de droga – cf. art.º 7, n.º 3 al. i) da Lei de Organização da Investigação Criminal -, baseado ainda, tal como o muito propalado Decreto-Lei 81/95, num quadro antigo com mais de 30 anos, onde a PSP e GNR tinham acabado de receber as suas competências investigatórias nesta área, compreendendo-se um papel mais relevante da PJ, único órgão de investigação à data, quer no combate quer na coordenação. Artigo 7.ºCompetência da Polícia Judiciária em matéria de investigação criminal3 - É ainda da competência reservada da Polícia Judiciária a investigação dos seguintes crimes, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte:(…)i) Relativos ao tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, tipificados nos artigos 21.º, 22.º, 23.º, 27.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e dos demais previstos neste diploma que lhe sejam participados ou de que colha notícia; Volveram 30 anos, e muita coisa mudou, a PSP, aquela que melhor conhecemos, fez um longo caminho de especialização, de capacidade e de elevada competência investigatória no combate aos mais diversos tipos de crime, e em especial no combate ao tráfico de droga. Quanto ao papel de coordenação nas investigações, não é preciso ir mais longe, esse cabe ao Ministério Público como decorre expressamente da LOIC, sem prejuízo de numa primeira instância, como se impõe, haja uma coordenação interina, dentro do sistema, entre os seus atores, podendo até ser mediada, como o é num sem número de outras matérias, através do Sistema de Segurança Interna cuja essência é essa mesmo. Não é ao acaso que concentra em si as principais unidades de coordenação do sistema, designadamente o Gabinete Sirene, o Gabinete para os Centros de Cooperação Policial e Aduaneira, o Gabinete de Informações de Passageiros, o Gabinete para os Oficiais de Ligação e Pontos de Contacto das Decisões Prüm e, mais recentemente, os Gabinetes EUROPOL e INTERPOL, sem esquecer ainda a UCAT que tem a ser cargo a coordenação do terrorismo. Não fará, pois, sentido algum, manter um papel de coordenação num dos atores do sistema, quando o seu papel é tão relevante quando os demais, devendo o mesmo passar a ser assumido, no plano internacional e doméstico, por quem coordena o sistema, ainda para mais quando mesmo apresenta um ampla estrutura de coordenação em quase todos os domínios policiais. Ademais, a existência de uma plataforma que permite a gestão integrada das investigações, conforme a LOIC fixa no seu artigo 11.º - Sistema Integrado de Informação Criminal -, foi desenhado para permitir a deteção precoce de conflitos de investigação, não só no que ao tráfico de droga diz respeito, mas relativamente a todas as investigações criminais deste país.É tempo de sabermos evoluir, deixando cair ideias vetustas de discriminação concorrencial entre OPC que só perturba as investigações, e não serve o sucesso no combate ao fenómeno do tráfico que deve ter apenas um sentido, o do desmantelamento e responsabilização de quem o promove. Por isso, e recordando um apelo recente, deixem a PSP trabalhar.