Defesa: da percentagem ao propósito

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Segundo anunciou o Governo português, pela voz do Ministro da Defesa Nacional, Nuno Melo, a 6 de agosto, Portugal cumprirá, em 2025, uma meta que, durante anos, pareceu distante: investir 2% do PIB em defesa. Um número que, para muitos, pode soar a mera estatística, mas que, na realidade, encerra uma transformação mais profunda.

Durante demasiado tempo, a defesa foi vista como um fardo orçamental, um parente pobre da política pública. Mas o mundo mudou. Hoje, não é exagero dizer que a segurança deixou de ser um “setor” e passou a ser a condição de possibilidade de todos os outros: da economia à educação, da saúde à cultura. Sem segurança, nada resiste.

Cumprir os 2% em 2025, antecipando em quatro anos o calendário inicial, não é apenas uma vitória numérica ou política. É uma escolha de futuro. E mais do que isso: é um sinal de maturidade estratégica. Porque não basta gastar; é preciso gastar bem. A questão central não é quanto investimos, mas como transformamos esse investimento em capacidades reais, em resiliência nacional, em confiança coletiva.

Aqui, Portugal tem um papel singular. Não somos um gigante económico nem uma superpotência militar. Mas temos algo que poucos têm: uma geografia que nos coloca no centro do Atlântico, uma história que nos ensinou a navegar mares de incerteza e uma diplomacia que ainda hoje abre portas onde outros batem de frente. O desafio está em transformar cada euro investido em multiplicador de alianças, em inovação tecnológica, em valor acrescentado para a sociedade.

A NATO aponta agora para 5% do PIB até 2035: um salto que pode parecer inatingível. Mas talvez seja o momento de inverter a lógica da pergunta. Em vez de “quanto vamos gastar?”, devíamos perguntar: “que segurança queremos construir?”. Uma segurança que não se mede apenas em tanques ou caças, mas também em ciberdefesa, infraestruturas críticas, preparação para crises climáticas, combate à desinformação.

Portugal não pode cair na tentação de olhar para os números como um fim em si. A percentagem é importante, mas é apenas o ponto de partida. O verdadeiro debate é sobre propósito. Queremos ser apenas cumpridores de tabelas ou protagonistas de uma nova visão europeia e atlântica de segurança?

A defesa não é um luxo. É o alicerce invisível que sustenta a liberdade com que vivemos. Cumprir os 2% em 2025 é mais do que satisfazer um compromisso internacional. É uma afirmação de que Portugal não se resigna a assistir de fora, mas escolhe ser parte ativa na construção de um futuro onde a paz se protege, não por ingenuidade, não por obrigação, mas por coragem estratégica.

Especialista em Segurança e Defesa

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