O anúncio do reforço da Polícia de Segurança Pública (PSP) no aeroport maiso de Lisboa com elementos da Guarda Nacional Republicana (GNR) - decidido pelo Governo no rescaldo do caos no controlo de fronteiras - não deve ser interpretado como um sinal de fraqueza da PSP, mas sim como a evidência da dimensão de um problema que se arrasta há demasiado tempo sem respostas eficazes.É inegável que a PSP tem estado sob pressão no aeroporto, desde que herdou, com a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) em 2023, competências de controlo de fronteiras, além da sua missão tradicional de polícia urbana e preventiva. A isto somam-se a falta de pessoal e as dificuldades de recrutamento, que afetam ambas as forças de segurança, criando um contexto em que eventuais falhas de gestão interna rapidamente se transformam em focos de crítica pública.Mas isto não apaga o essencial: os passageiros que enfrentam filas intermináveis no controlo de fronteiras não estão minimamente interessados em saber se é um agente com farda azul ou verde que os atende. Querem apenas que as entradas e saídas no país se façam com segurança e fluidez.O que verdadeiramente merece crítica é o facto de ter sido precisa uma inspeção da União Europeia para que falhas há muito evidentes fossem relatadas e reconhecidas. A implementação do novo sistema europeu de entrada e saída (EES), que entrou em funcionamento em outubro, agravou limitações operacionais e tecnológicas, com tempos de espera inaceitáveis num país que tem no turismo uma das suas principais bandeiras.Recorde-se que, antes desta crise, a PSP tinha solicitado à Polícia Judiciária a permanência dos seus inspetores por mais seis meses - um pedido que foi um aviso claro e hoje se revela profético. Esse apelo mostrava que a transição de competências do extinto SEF precisava de mais tempo, recursos e planeamento, e não de soluções de emergência.A atual sinergia entre PSP e GNR no aeroporto deve, por isso, conduzir a uma reflexão mais profunda sobre a organização das forças de segurança em Portugal. O caso de Lisboa demonstra que desviar recursos críticos de outras áreas para tapar falhas temporárias compromete a capacidade operacional no resto do território. E, com dificuldades de recrutamento crónicas e sem perspetivas de aumentos salariais substanciais, esta tendência dificilmente se inverterá por si só.Se queremos enfrentar os desafios e ameaças atuais - do controlo de fronteiras à ordem pública, passando pela investigação criminal - então é preciso repensar o modelo atual da GNR e da PSP, clarificando missões, eliminando duplicações e potenciando competências específicas de cada força. Não faz sentido manter estruturas paralelas em operações especiais, capacidades cinotécnicas, unidades musculadas de ordem pública ou, por vezes, até na própria investigação criminal. Libertar pessoal para onde é mais necessário implica que cada força faça aquilo em que pode ser melhor, com uma visão nacional e não corporativa.Uma proposta que merece discussão, sem preconceitos, é uma GNR com foco mais definido em fronteiras, operações especiais e ordem pública mais musculada, enquanto a PSP se concentra na prevenção, proximidade e programas de policiamento comunitário. A investigação criminal poderia ser unificada, juntando os meios da GNR e da PSP, sob coordenação da Polícia Judiciária, com jurisdição clara e sem interferências desnecessárias.Temos de pôr o interesse nacional em primeiro lugar. Esta avaliação sobre a organização das forças de segurança não é nova: já tinha sido feita no Governo de Pedro Passos Coelho, mas foi deixada de lado. É tempo de revisitá-la com seriedade e transparência.Por fim, importa colocar responsabilidade onde ela deve estar - e ela é hoje, sobretudo, do atual Governo. A extinção do SEF foi uma decisão política do PS, que o próprio PSD criticou, mal preparada, é certo. Mas isso já não é novidade, nem surpresa para ninguém. O que é relevante agora é que o país tem um Governo liderado pelo PSD desde abril de 2024, com tempo suficiente para conhecer o problema, avaliar riscos, reforçar meios e corrigir o que estava mal. Não o fez. E permitir que a situação chegasse ao ponto em que uma inspeção europeia teve de expor fragilidades óbvias é, já, responsabilidade plenamente sua.Acresce que a PSP, ao aceitar responsabilidades para as quais sabia que não tinha meios adequados, também contribuiu para um modelo estruturalmente frágil.Quanto ao essencial e à reorganização urgente que se impõe, não se trata de alimentar guerras corporativas. Trata-se de proteger pessoas, garantir segurança, credibilizar o Estado e assegurar que Portugal responde com responsabilidade aos desafios que enfrenta.O interesse nacional e a proteção dos cidadãos têm de estar acima de qualquer agenda interna, resistência institucional ou disputa de protagonismo. O reforço pontual com a GNR é compreensível; é insuficiente se não for acompanhado de uma reforma estrutural profunda. Só assim poderemos garantir que as fronteiras sejam um fator de segurança - e não um motivo de constrangimento nacional. E isso vale para todo o território português.