O Conselho Nacional de Educação (CNE) publicou, a 3 de fevereiro, o relatório "Estado da Educação 2020", que, além de dados estatísticos sobre a situação educativa portuguesa (e.g. demografia, número de alunos, literacia, recursos humanos, investimentos, etc.), inclui um capítulo sobre a gestão da pandemia, dois com depoimentos de especialistas em educação e um glossário..A publicação fez notícia nos meios de comunicação, que destacaram aspetos diferentes do relatório (denotando a quantidade e diversidade de informação deste), em títulos como: "Escolas perderam 322 mil alunos numa década, revela Conselho Nacional da Educação" (Lusa e RTP), "Escolas perderam 322 mil alunos numa década" (Público), "Portugal em risco de ter poucos professores habilitados 'num futuro próximo'" (DN), "Educação: pela primeira vez, mais de metade dos homens completou o ensino secundário em Portugal" (Expresso), "Menos procura de formação de adultos, divulga um relatório do CNE" (Observador)..A notícia publicada na página da Rádio Renascença (RR): reporta a preocupação do CNE pelo facto de se prever que a escola pública perca "quase 20 mil professores nos próximos sete anos", devido ao decréscimo demográfico e ao envelhecimento da população, pois estes atingem os alunos (menos 300 mil na última década) e os professores; destaca a falta de atratividade da profissão docente, com palavras da Presidente do CNE, que é citada no título; dá conta de algumas propostas do CNE para obviar ao problema; refere uma entrevista com o secretário geral da Federação Nacional de Educação..O título da peça noticiosa é "Escola pública perdeu mais de 300 mil alunos. "As pessoas não querem ir para professores""..Este título constitui uma descarada manipulação da informação que, putativamente, pretende veicular..O relatório do CNE não estabelece distinção entre a escola pública e a privada nem no que respeita à perda de alunos nem à falta de atratividade da profissão docente. O relatório destaca o setor privado relativamente ao ensino pré-escolar (para dar conta de que a maioria das crianças do pré-escolar frequentam escolas privadas), estabelece comparações entre os dois setores quanto ao ensino universitário e vai estabelecendo comparações pontuais (e.g. computadores disponíveis, acesso à internet, investimentos). Nenhuma relação é, pois, estabelecida entre perda de alunos e falta de atratividades da profissão, por um lado, e setor público ou privado, por outro; e, no entanto, a notícia da RR estabelece descarada e falaciosamente a relação entre estes aspetos negativos e a escola pública, o que leva o leitor (que geralmente mais não lê do que o título das notícias) a subentender que:.- na escola privada estes fatores negativos não se verificam (não há quebra do número de alunos e os professores estão satisfeitos),.- logo, a escola privada é boa e a escola pública não presta ou, pelo menos, está em decadência..Os propósitos visados são óbvios: convencer o leitor de que a privatização do ensino (e.g. incremento dos apoios ao setor privado, com ou sem prejuízo do ensino público, atribuição de cheques-ensino para subsidiar as famílias que escolhem escolas privadas) é o caminho a seguir, como rezam as cartilhas de alguns partidos políticos..É legítimo defender estas ideias, com clareza, transparência; vivemos em democracia. Inaceitável e pouco honesto é venderem-nos doutrina disfarçada de informação, qualquer que seja o vendedor..Temos mesmo que ler melhor e mais criticamente..Professora e investigadora, coordenadora do Portal da Língua Portuguesa