Crises nacionais e o que interessa à Europa

Na mesma semana em que na Assembleia da República se começava a discutir a viabilidade ou não do Orçamento do Estado para 2022, a Comissão Europeia apresentava ao Parlamento Europeu o seu programa de trabalho para o ano que vem.

Para o sucesso do Orçamento nacional basta que metade mais um dos deputados na Assembleia da República não vote contra. E o governo terá sempre, porque é essa a natureza da política nacional, quase metade do parlamento contra o seu Orçamento.

Onde o Estado vai buscar dinheiro e onde o decide gastar é o centro da política nacional. Sobretudo quando a legislação é, cada vez mais, a continuação da legislação europeia, seja por transposição seja por aplicação direta.

Pelo contrário, é exatamente por isso, o mais importante da Europa é a definição das políticas que a Comissão Europeia vai avançar no próximo ano. Apesar de em Portugal acharmos que o que importa mesmo são os fundos.

Não é que na União Europeia a discussão do Orçamento seja menos importante. É tão relevante e difícil que só se faz uma vez a cada sete anos. Não havendo impostos europeus que contem, é quando se discute se uns países (mais ricos) devem fazer mais ou menos transferências para os outros (não tão ricos). E depois, uma vez por ano, discutem-se políticas. Foi isso que começou a fazer-se na semana passada, quando Ursula von der Leyen apresentou o seu programa de trabalho para 2022.

Para quem não olhe para a Europa apenas como um porquinho mealheiro, esta discussão é, insista-se, essencial. Daqui sai o que mais nos condiciona. Muito mais do que os fundos.

Solidificando o que tem sido a tendência, a Comissão Europeia continua a apostar em impor uma redução de emissões de CO2, com consequência em quase todas as atividades económicas. E por mais que isso impacte no imediato, não vai haver retrocesso. mas pode haver diversidade.

Na transição digital, confirma-se a vontade de criar capacidade de produção de microchips na Europa, uma maior utilização do espaço para comunicações, e tentar reforçar a cibersegurança europeia. Além de se manter o interesse na definição das normas da inteligência artificial. A Europa quer ter relevância nesta economia.

Como previsto, vai avançar o acordo sobre as regras de tributação globais. Que vão pesar em algumas empresas que otimizam ao limite a eficiência fiscal mas, sobretudo, vão penalizar alguns orçamentos nacionais de países mais pequenos em benefício de outros já mais ricos.

Sem surpresa, depois do que aconteceu no Afeganistão e no negócio dos submarinos, prossegue a conversa sobre a União Europeia de Defesa. O que isto vai ser, com quem e apesar de quem, é fundamental na definição de aliados e adversários europeus. Está em curso uma redefinição geopolítica e esta é uma das peças mais importantes. Tomemos atenção ou não.

A que acresce a consciência de que é necessário lidar com a pressão interna que desafia a harmonia jurídica da UE e, pior, alguns dos seus valores fundamentais.

Enquanto a Europa for uma União de Estados, há sempre a expectativa de que governos e administrações públicas verifiquem o interesse nacional em todo este processo. E, do outro lado, que os deputados sejam tão europeus quanto nacionais. Espera-se que sim. Mas, pelo caminho, podíamos discutir o tema por cá. Discutir se as propostas da Comissão Europeia são do interesse de Portugal não tem nada de anti ou menos europeu. Não as discutir é que sim, é pouco. Europeu e nacional. Mas é o que (não) fazemos.

Consultor em assuntos europeus

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