Criados para servir

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Em 1885, apenas 2631 contribuintes em Lisboa pagavam o imposto relativo ao emprego de criados domésticos. Era um número muito baixo, representando cerca de quatro por cento dos 67.623 fogos do concelho, o que permite pensar numa de duas: ou havia muita criadagem não declarada ao fisco ou não eram muitos, afinal, os que podiam ter e manter serviçais em casa. Não tenho aqui as estatísticas, nem sequer sei se as existem, mas, tendo em conta o número de empregados por conta de outrem e o muito que se ouve falar dos criados naquela época, é mais do que legítimo concluir que, no final do século XIX, eram muitos a servir muito poucos, ou seja, que uma ínfima minoria de lares tinha ao seu serviço batalhões de gente. Talvez seja mesmo possível deduzir outras coisas: por um lado, que Portugal era um país com poucos ricos; por outro, que as classes médias, digamos assim, tinham fracos rendimentos ou, se quisermos, rendimentos insuficientes para manter criadagem; e, por fim, que existia uma grande desproporção de riqueza entre os mais afortunados, uma pequeníssima parcela que possuía legiões de empregados, e o resto da população, no máximo remediada. Poucos ricos, classes médias à míngua, enormes disparidades de rendimento - três características que, volvidos cem anos, ainda hoje persistem e subsistem.

Num dos mais conhecidos romances de Agustina, Os Meninos de Ouro, publicado três anos após a morte de Francisco Sá Carneiro, ali encarnado na figura à clef de José Moreira Matildes, uma outra personagem do enredo, Francisco Farinha/Farina (alusão à clef ao escritor Ruben A.), anda encantado e obcecado com Directions to Servants, um escrito humorístico publicado por Jonathan Swift em 1731, no qual o autor de As Viagens de Gulliver satiriza o emprego de pessoal doméstico. O ensaio de Swift, só publicado em 1745, seria por cá traduzido com o título Preceitos para o uso do pessoal doméstico (tradução de João Fonseca Amaral, Estampa, 1970) ou Conselhos à Criadagem (tradução de Nuno Marques, Nova Ática, 2005) e bem mereceria ser reeditado e divulgado, juntamente com outro texto de Swift, hoje tão actual, Arte da Mentira Política (que, com tradução de Júlio Henriques, a Fenda deu à estampa em 1996).

Voltaire dizia que Jonathan Swift mais não era do que um Rabelais aperfeiçoado, mas, como bem notou André Breton, ele foi muito mais do que isso. Foi o verdadeiro iniciador do humor negro, um homem capaz de escrever um sermão sobre os que adormeciam ao ouvir os sermões nas igrejas (Sermão para Quem Adormece na Igreja, por cá publicado pela Universidade Católica Editora, em 2017, com excelente posfácio de Luísa Leal de Faria), de escrever sobre as vantagens clínicas da flatulência (Os Benefícios de Dar Peidos, Guerra & Paz, 2021), de advogar, num texto que, lembrava há dias o meu amigo Miguel Nogueira de Brito, bem merece ser relido a propósito da eutanásia, que as criancinhas irlandesas pobres deveriam ser vendidas pelos pais aos ricos, para serem comidas por estes (Proposta Modesta para Evitar que os Filhos dos Pobres da Irlanda Sejam um Fardo para os seus Pais ou o País, Tornando-se Úteis à Comunidade, tradução de Aníbal Fernandes, & Etc., 1980, havendo edições posteriores, como a da Alfabeto, de 2011).

Os olhos de Swift, ao que parece, mudavam de cor consoante o seu humor, e podiam passar em poucos segundos do azul-claro ao negro, do mais cândido ao mais terrível. Os seus escritos mordazes, Gulliver incluído, estão sempre no fio da navalha, na ténue fronteira que, neste mundo cão, separa a extrema lucidez dos abismos da loucura. Em 1738, começou a dar sinais de alienação, que alguns hoje atribuem à doença de Ménière, tornou-se irascível, chegou a estar um ano sem proferir palavra, acabou por falecer em 1745, não sem antes ter escrito o seu epitáfio e de, num último assomo de consciência, ter deixado 10 mil libras em testamento para a criação de um hospital de alienados. Nos últimos tempos de vida, ambicionava almejar, "esse grau de felicidade sublime que se chama a faculdade de ser bem enganado, o estado plácido e sereno que consiste em ser louco entre patifes". Tal qual o povo português neste ano da graça de 2023.

Fascinado viajante do mundo/Serviu a liberdade humana - escreveu o poeta W. B. Yeats a partir do epitáfio em latim de Jonathan Swift, que Orwell classificará como um "anarquista tory". Na verdade, os conselhos que dá aos criados bem poderiam ser lidos como um apelo libertário à subversão completa da harmonia reinante nos lares aristocráticos e burgueses, doravante sujeitos a uma revolução silenciosa ou a uma incessante e surda luta de classes. Recomendava Swift aos criados que, se o patrão chamasse pelo nome de um deles, e este não respondesse, ninguém deveria ir em seu lugar. Segundo ele, isso iria habituar mal o patronato, que passaria a julgar que bastava erguer a voz para ter um serviçal a caminho. "Se tiverem cometido qualquer falta, mostrem-se sempre descarados e insolentes e procedam como se vocês é que tivessem razão de queixa; isto acalmará, imediatamente, o senhor ou a senhora". "Se virem um colega a prejudicar o seu amo, ponham o maior cuidado em o encobrir, para não serem tidos por mexeriqueiros". "Tomem o partido de todos os comerciantes contra o patrão, e quando os mandarem comprar alguma coisa nunca regateiem, e paguem generosamente quanto lhes pedirem. Isso contribui muito para a honra da casa e pode meter-lhes uns tantos xelins no bolso; devem pensar que, se o patrão pagou demasiado, melhor pode ele suportar o prejuízo do quem um pobre comerciante." "Não se sujeitem a mexer um dedo para que trabalho for, diferente daquele para que foram contratados. Por exemplo, se o moço de estrebaria estiver embriagado, ou ausente, e o mordomo receber ordem de fechar a cavalariça, a resposta imediata deve ser esta: "Salvo o devido respeito por Vossa Senhoria, nada percebo de cavalos; se um canto das colgaduras precisar de um prego que seja, e disserem ao lacaio que o ponha, este pode responder que nada percebe dessa espécie de trabalho e que Sua Senhoria fará melhor em chamar o tapeceiro." "Se o senhor ou a senhora os acusar sem razão, uma única vez que seja, dêem-se por felizes; porque não têm mais do que, a cada futura falta cometida, lhes lembrar aquela injusta acusação e jurar que também agora se acham inocentes."

O escrito de Swift é um verdadeiro manual de combate para trabalhadores por conta de outrem, sendo estranho não ser mais usado pelos revolucionários ou sindicalistas de todo o mundo. Karl Marx, tão obcecado com os operários, escassa ou nenhuma atenção deu ao pessoal doméstico - ou, melhor dito, ter-lhe-á dedicado até uma atenção excessiva, intimíssima, porquanto, rezam as crónicas, num momento de suspensão da luta de classes terá muito provavelmente engravidado a sua empregada doméstica, Helen Demuth, uma filha de camponeses que esteve ao serviço da família Marx durante anos (está sepultada, aliás, na tumba do autor do Capital, em Londres). Em 1851, Helen foi mãe de um rapaz, o pequeno Henry Frederick, cuja identidade do pai ficou em branco no registo. O nome Frederick fora dado em homenagem a Engels, que terá reclamado a paternidade do miúdo, o qual, à boa maneira capitalista, seria rapidamente despachado para uma família de operários de Londres, os Lewis, que o criou e com quem aprendeu um ofício, fazendo-se fabricante de ferramentas.

Por vezes, e seguindo o conselho de Swift, invertem-se as posições entre senhores e escravos, tal qual como na dialética hegeliana, como Joseph Losey brilhantemente mostrou no seu filme O Criado/The Servant, de 1963, com argumento de Harold Pinter e Dirk Bogarde no papel de Hugo Barrett, o mordomo dominador. Noutros casos, os conflitos laborais são resolvidos de forma violenta e sangrenta, como no célebre episódio das irmãs Papin, de que já aqui falei ("As serviçais", Diário de Notícias, de 30/3/2019), em que, numa noite de Fevereiro de 1933, no n.º 6 da rue Bruyère, duas irmãs. Christine e Léa Papin, estraçalharam os seus patrões com requintes de malvadez, numa carnificina a golpes de faca e martelo que se prolongou durante meia-hora, ou mais. Descobertas, confessaram o acto no acto, mas nunca se conseguiu perceber ao certo o que as terá levado a tão ingente barbárie, a qual motivaria, claro está, a atenção de Jean Genet, que a partir dela escreveu a peça As Criadas, estreada em 1947 com péssima reacção do público e da crítica. Com base na peça de Genet, Paula Rego pintou em 1987 a perturbante tela com o mesmo nome, As Criadas, hoje exposta na Galeria Saatchi.

As criadas de servir sempre deram motivo a vária e vasta literatura, seja no papel de confidentes, seja no de facilitadoras ou encobridoras de amores clandestinos, seja, enfim, no de chantagistas ou ladras. Se tirarmos um ou outro caso, raramente ocupavam o primeiro plano nos enredos romanescos, servindo a ficção no mesmíssimo lugar que desempenhavam na vida real, o de criaturas adjuvantes e acessórias, auxiliares secundários da narrativa, não mais do que isso. Num brilhante ensaio de 2013, Maria Helena Santana, da Universidade de Coimbra, estudou o lugar das criadas e os estereótipos de género e de classe na literatura realista portuguesa de Oitocentos (Upstairs-Downstairs: as criadas, o género e a classe no realismo português, in O Século do Romance. Realismo e naturalismo na ficção oitocentista, Coimbra, 2013, pp. 65-74). O preconceito oscilava entre a piedade paternalista, por um lado, e a suspeição temerosa, por outro. Em 1880, no livro Mulheres e Crianças, Maria Amália Vaz de Carvalho definia os criados como "os nossos inimigos necessários", acrescentando que "é preciso que para com eles a nossa atitude seja, por enquanto, inteiramente defensiva". Na mesma linha, Ramalho Ortigão saudava a extinção progressiva das criadas no Portugal da sua época, considerando que elas dificilmente aceitavam a sua posição (subalterna, claro) e que a empregada doméstica, por natureza, era um poço de vícios: "Namora, intriga, enreda, tem um amante, furta, joga na lotaria."

Importa, porém, não resvalarmos no preconceito contrário, julgando que o retrato de Maria Amália ou de Ramalho era fruto de elitismo puro, desligado da realidade. Com efeito, e como era natural, muitas criadas domésticas tinham vidas duplas, triplas, quádruplas, e foi justamente isso que levaria os irmãos Goncourt a escreverem um dos primeiros livros que, em termos realistas, as toma por personagem principal. Diziam eles que, em pleno século XIX, na idade do sufrágio universal, da democracia, do liberalismo, as "classes baixas" ainda não tinham tido o direito a serem tratadas pelo romance, sendo aí figuradas de uma forma unidimensional e simplista, como meros adereços de uma paisagem povoada em exclusivo por aristocratas e ricos burgueses. Com a publicação, em 1864, de Germinie Lacerteux, Edmond e Jules Goncourt procediam à primeira abordagem realista da vida complexa e secreta de uma serviçal, que viera da província para Paris e que aqui resvala no vício e na ninfomania, acabando na desgraça. Contudo, e como observa Maria Helena Santana, Germinie não era uma personagem de ficção. A sua história foi inspirada na de uma criada, Rose, que serviu os Goncourt com uma fidelidade canina durante 25 anos, sem que aqueles se tivessem apercebido dos seus segredos: amantes que a exploravam, dívidas, furtos, até mesmo dois filhos mortos. Uma realidade bem diversa daquela que encontraremos no extraordinário e comovente relato da devotada governanta de Marcel Proust (se andais com dúvidas sobre o que comprar na Feira da Livro, não hesitai: Monsieur Proust, de Céleste Albaret, que a benemérita editora da Universidade de Lisboa deu à estampa em 2019).

Ao contrário do que prognosticava Ramalho Ortigão, as criadas de servir não iriam desaparecer no tempo da sua vida, nem sequer nos anos vindouros. Pelo século XX dentro, elas ainda continuavam a constituir um "problema", pelo menos a acreditarmos no que dizia a O.P.F.C. - Obra de Previdência e Formação de Criadas, instituição fundada nos anos 1930 pelo padre Joaquim Alves Brás, "o apóstolo das criadas de servir" e que deu azo às conhecidas Casas de Santa Zita. Portugal mudou e muito nas últimas dezenas de anos: caiu a ditadura, veio a democracia, aderimos à Europa, tivemos a troika e a geringonça, mas o Almanaque de Santa Zita, esse, continua firme e hirto, imperturbável. Publica-se since 1941, chegou a atingir tiragens espantosas de 160 mil exemplares (!), e hoje, naturalmente remodelado, prossegue a sua missão de aconselhamento e apoio às famílias.

A Obra de Santa Zita, tal qual originalmente instituída, e tal como nos é contado por M. Dias Coelho em livro justamente intitulado O Problema das Criadas (OFPC, 1958), era uma organização de e para o pessoal doméstico. O seu Regulamento Interno, um documento jurídico denso, com mais de 40 artigos, é um retrato eloquente do que eram os anseios e as expectativas das criadas portuguesas: previa-se instrução, geral e especializada, previdência, havia a obrigatoriedade de cada associada constituir o seu "fundo pessoal de economias" (artigo 5.º), existia um esquema de pequenos empréstimos para que as criadas pudessem acudir necessidades urgentes, adquirirem propriedades ou constituírem o seu lar (artigo 6.º). No maravilhoso artigo 8.º, um retrato a sépia do salazarismo, estipulava-se que uma percentagem da cota mensal das associadas da Obra de Santa Zita iria para a constituição da "Caixa Dotal e de Sufrágio". Depois, a coisa funcionava assim: se casassem, teriam direito a um enxoval composto por 6 lençóis, 6 almofadas, 3 travesseiros, 3 cobertores, 2 cobertas, 6 toalhas, 1 tapete, 3 toalhas de mesa, 6 guardanapos e 3 panos para a cozinha; se tivessem o azar de ficar solteiras, não haveria lençóis nem panos de cozinha para ninguém, mas 30 missas gregorianas celebradas pela sua alma, logo após a morte.

Há uns anos, Inês Brasão, uma das mais perspicazes e lúcidas cientistas sociais da sua geração, publicou O Tempo das Criadas. A Condição Servil em Portugal, 1940-1970 (Tinta-da-china, 2012), impressionante retrato do que era o serviço doméstico nos tempos do Estado Novo. Na sua esmagadora maioria, as raparigas eram recrutadas nas aldeias quando tinham entre 7 a 17 anos (!), sendo o serviço doméstico uma forma de as resgatar da miséria extrema, mas não de as salvar da pobreza; maioritariamente analfabetas, só tinham no casamento a única forma de promoção social. Das muitas entrevistadas por Inês Brasão, uma antiga criada conseguir tornar-se juíza desembargadora do Tribunal da Relação, caso tão isolado e insólito que por isso merece menção. As restantes terão melhorado muito em relação ao ponto de partida - a "miséria imerecida do mundo rural", nas palavras do bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes -, mas raramente terão tido uma vida digna, uma existência conforme a uma verdadeira igualdade de oportunidades. Ao que haveríamos de acrescentar a prática dos "amores ancilares", termo eufemístico com que a sociologia histórica designa os abusos sexuais das criadas pelos seus patrões, por vezes nas raias da pedofilia, e de que encontramos vestígios seja em inúmeras obras da ficção neo-realista, seja em livros como Senhores e Servas. Um estudo de Antropologia Social no Alentejo na primeira metade do século XX, de J. A. David de Morais (Edições Afrontamento, 2003) ou Filhos de Engano. Amor, sexualidade e grupos sociais no Alentejo, de Isabel Marçano (Edições Colibri, 2013).

Hoje não somos mais um país de criadas, mas de criados. O facto de termos perdido as colónias de África não fez desaparecer a tendência atávica para nos colocarmos nas mãos de outros, servindo-os, na esperança de que eles cuidem de nós, que nos resolvam os problemas, que nos acudam nas desgraças, que nos custeiem os gastos e a existência. O instinto servil recrudesceu, aliás, nas últimas décadas e foi sendo sucessivamente projectado nas Comunidades Europeias e na retórica do "bom aluno" (ainda assim, o melhor patrão que tivemos); nas vãs promessas, nunca concretizadas, de "cooperação lusófona" com África e com o Brasil; nos investimentos angolanos, sujos de corrupção e petróleo; nas patacas dos chineses, que abocanharam empresas privadas e públicas, até a vital rede eléctrica; na disciplina da "troika", para além da qual insensatamente fomos, para depois revertermos tudo, mais insensatamente ainda. Logo a seguir, apostámos nos vistos "gold", nas excepcionais autorizações de residência, na portugalidade ancestral de alguns judeus milionários, com Abramovich à cabeça (a propósito, que é feito da investigação ao seu processo de nacionalidade?). Para cúmulo do servilismo, concedemos a estrangeiros benefícios fiscais anormais: faz sentido que um médico francês, reformado e abastado, não pague impostos em Portugal, e aqui compre casa em gritante e pornográfica desigualdade com um jovem médico português, em início de vida, que ganha mil vezes menos e paga mil vezes mais? É assim que se resolve o "problema da habitação jovem". É assim que se dá futuro e se mantém em Portugal a "geração mais qualificada de sempre"?

A lusitana e secular tendência para a criadagem encontrou nos últimos anos um novo senhor protector, o turismo. A questão é mais do que óbvia: não se trata de eliminar o turismo ou de desperdiçar as muitas receitas que ele nos traz. Trata-se, isso sim, de regular os seus excessos, de evitar que em Lisboa se repitam os erros de Quarteira e de Albufeira, de impedir que o turismo se converta numa monocultura nacional, sufocando e neutralizando sectores de actividade muito mais reprodutivos na qualificação da mão-de-obra, no retorno do investimento, na possibilidade de expansão e de exportação, na capacidade de incremento e desenvolvimento tecnológico. É só comparar os que operários especializados que trabalham na Autoeuropa ou na Bosch em Braga e, do outro lado, a arraia-miúda da restauração, dos cafés, da Uber e dos tuk-tuks.

É curioso observar que, nas últimas semanas, e sem terem lido sequer os escritos de Jonathan Swift (aliás, sem terem lido coisa de espécie alguma), os nossos governantes, ao lidarem com mais uma crise política, adoptaram quase por instinto a antiga e velha lógica da criadagem, patente no modo como um jovem secretário de Estado tratava a CEO da TAP, como um ministro demitiu um adjunto por sms e, enfim, como este mesmo ministro, ao demitir-se, acabou desautorizado pelo seu chefe, ou patrão, que lhe agradeceu a nobreza do gesto, mas não admitiu a saída.

Assistiu siderado o país, ao vivo e a cores, a um vendaval doméstico na casa da governação, no qual houve de tudo: gritos entre patrões e criados, acusações de furtos, contas pedidas, vidros partidos, aventais pelo chão. Sobretudo, acima de tudo, houve nódoas indeléveis e coisas de que pouco se fala, os efeitos destas cenas para o regime democrático, para a imagem da nação e até para o valor comercial da nossa "companhia de bandeira", que primeiro tinha de ser pública e agora vai ser privada. Ao cuidado dos criados, ficou basta roupa suja, que ainda aí está para lavar... e durar.

Historiador. Escreve de acordo com a antiga ortografia.

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