Cores, deuses, viagens e amores

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Sabemos que Teseu, o vencedor de Minotauro, teria afirmado que a imaginação chega mais longe do que a razão. E não é preciso ir até à Grécia mítica para o confirmar, pois basta lembrar que Albert Einstein disse o mesmo, demonstrando-o no audacioso caminho científico que trilhou. Partindo de Shakespeare e do Sonho de uma Noite de Verão, continuando com o célebre mapa da Catedral de Hereford, onde se compilaram velhas lendas do mundo antigo, culminando na viagem de Gauguin ao Taiti em busca da essência da Arte, Francisco Louçã apresenta no seu livro Imaginação - Cores, Deuses, Viagens e Amores (Bertrand, 2025) uma estimulante e inesperada reflexão sobre esta interrogação fundamental: Existirá, além da fria razão, uma essência humana que nasce do impulso da criatividade? O percurso que nos apresenta é estimulante, como referiu Lídia Jorge na apresentação do livro. E já que falámos de Teseu, cumpre dizer que podemos usar para identificar esta longa reflexão as metáforas do labirinto e de um belo caleidoscópio.

Os temas entrelaçam-se e podemos compreender como é possível recorrer a diversas pistas, “seja na religião as crenças sumérias e mesopotâmicas e o Alcorão, seja na literatura a influência encantatória da Epopeia de Gilgamés, do Romance de Genji e das Mil e Uma Noites, seja reportando as viagens africanas de Ibn Battuta ou a geografia de Al-Idrisi e a sageza indígena norte americana e Kondrarionk”.

Apesar das distâncias na geografia e no tempo, cerca de mil anos, vamos descobrindo a complexidade da condição humana. Estamos perante um recenseamento, naturalmente limitado, apesar da sua extensão, sobre a capacidade de pensar e criar novas possibilidades em diferentes quadros sociais e históricos. E assim vemo-nos confrontados com sobreposições temporais reveladoras. E Plínio pergunta: “quantas coisas são julgadas impossíveis antes de terem realmente ocorrido?”. Pode o autor dizer que o guião que apresenta é incompleto e até impreciso, mas o certo é que os temas são de si promissores abrindo várias perguntas que levam a novos horizontes.

O percurso que nos é proposto faz suceder um caminho exaltante, para quem considerar a leitura, a reflexão e o pensamento poderosos fatores de emancipação. E deste modo sucedem-se os temas, ao longo da obra: Imaginar a Cor; Imaginar o Além; Imaginar o desconhecido; e Imaginar o prazer. A propósito de cada um, podemos preencher os espaços abertos pelos mistérios insondáveis que nos são apresentados. E percebemos que a imaginação é a faculdade cognitiva que cria imagens mentais e os seus imaginários. “De facto, não se pensa, sente ou aprende sem imaginar”.

Cervantes inventa o romance moderno, como Fernão Mendes Pinto constrói uma verdadeira saga. E Gauguin, na sua viagem, ensina-nos que o azul é o que nos parece azul. E as religiões, nas suas misteriosas ligações milenares, são os mais antigos imaginários sociais, narrando mitos, construindo rituais, caracterizando lugares. Dostoievski em Os Irmãos Karamazov põe-nos à prova sobre quem somos, e a memória de António Conselheiro na guerra dos Canudos leva-nos ao limite. E leia-se o testamento intelectual de Maria Helena Vieira da Silva, que nos obriga a ir ao âmago da Arte: “Lego aos meus amigos/ um azul cerúleo para voarem alto / um azul cobalto para a felicidade / um azul ultramarino para estimular o espírito / um vermelhão para fazer circular o sangue alegremente…”

Presidente do Conselho das Artes do Centro Nacional de Cultura

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