COP Montijo-Alcochete: como se nada mudasse

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Que Marcelo Rebelo de Sousa tenha falado do aeroporto exatamente esta semana, é apenas uma ironia do destino. As notícias de Glasgow, supõe-se, também são sobre um mundo onde Portugal está. Só quando as alterações climáticas nos batem à porta (Pedrógão, por exemplo), então aí sim, chegamos à conclusão de que algo tem de ser feito. O presidente da República, em vez de árbitro, resolve fazer o mais fácil e ficar do lado dos lobbies das grandes obras públicas, onde acenam sempre com o "interesse nacional". O deles?

Sendo então honestos connosco próprios: como podemos construir mais um elefante de betão só porque 35 milhões de passageiros na Portela não são suficientes para o turismo e a suposta economia inteligente da capital portuguesa? Acreditamos no que nos convém: um mundo elástico onde mais carbono e mais dívida são eternamente viáveis. A destruição de habitats (Montijo), ou a perda em Alcochete do ecossistema do montado e dos lençóis freáticos, continuam sem ser considerados - da esquerda à direita - como prejuízos irreversíveis do património natural português. Falta uma honesta mudança de paradigma, alinhada com o mundo que a COP retrata e a catástrofe que se tenta evitar. Infelizmente a política são palavras vãs, e a Greta diz, e bem: blá-blá-blá.

Num extraordinário texto do Democracy Journal, publicado esta semana (link AQUI), investigadores de Oxford desmontam várias teses que ocupam o debate quanto às impossibilidades de mudarmos o paradigma sem um sacrifício radical. A primeira delas: os cálculos feitos pela Agência Internacional da Energia - e que suportaram também muitas das conclusões do organismo das Nações Unidas para o clima, o IPCC - estão sobrestimados. Este grupo de investigadores de Oxford compilou décadas de informação sobre os custos de produção de energia, comparando-os com as novas tecnologias limpas, e concluiu que a descida de custos das energias renováveis tem sido muito mais exponencial do que as estatísticas mostram. A energia solar, por exemplo, é 2000 vezes mais barata hoje que no seu primeiro uso comercial em 1958. Para a energia renovável se tornar uma commodity de custo quase zero, falta apenas mais um passo: reforço do investimento no armazenamento de energia solar e dotar as redes de maior capacidade.

Estas premissas fazem toda a diferença quanto à energia nuclear. O grupo de Oxford não tem a menor dúvida em afirmar que, ao contrário da energia solar, a tecnologia nuclear tem aumentado de preço deste 1957. E, se é verdade que diminuir o carvão pode obrigar a manter centrais em funcionamento mais tempo, construir novas é gastar o dinheiro novo num modelo velho. Pior: esse capital faz diferença para se chegar a tecnologias limpas de armazenamento que abrem um horizonte infinito, sem as consequências brutais dos resíduos nucleares.

É exatamente por coisas como estas que deixar o espaço público aberto aos lobistas da energia e ao empresariado abutre, sempre com dinheiro e tempo de antena para apregoarem verdades convenientes, é uma armadilha destinada a captar políticos inseguros e uma opinião pública ainda mais aflita com a conta da luz. O mesmo se passa com obras mastodônticas como um aeroporto: que o sector do turismo ache que o limite é o céu, é anacrónico. Agora que todo um país fique refém dessa equação, já é uma questão de lucidez que não podemos aceitar. A COP é todos os dias. Não façamos de conta que tudo fica igual.

Jornalista

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