Muito se falou durante a presente semana do caos que se instalou no aeroporto de Lisboa, não que seja caso inédito, mas que ganhou contornos singulares por força da recente implementação do novo sistema de controlo Entry Exit System, que não é nada mais, para quem não sabe, um sistema da União Europeia para a monitorização e registo eletrónico automáticos de todas as passagens de fronteira por nacionais de países terceiros em todas as passagens de fronteira do Espaço Schengen. Este sistema vem dar respaldo operativo às várias e consolidadas preocupações dos Estados Membros, visando apertar a malha de controlo das entradas, mitigando riscos e apurando os mecanismos de vetting, almejando, desta forma, assegurar um espaço europeu seguro. O Estado Português, através do seu Governo, tem seguido este diapasão, firmando o seu total compromisso para levar por diante este desígnio, ao qual tem, bastas vezes, apodado de «desígnio nacional», ao qual eu chamaria, permitam-me a ousadia, um «desígnio europeu». Ora, a maior pressão sente-se, claro está, nas fronteiras aéreas, onde mais de 90% dos cidadãos extracomunitários entram em território nacional e, com isso, em Espaço Schengen, pelo que é sobre a PSP que recairá a fatia de leão, mais uma, numa área tão importante para o panorama securitário. Aliás, foi assente neste pressuposto que o atual Governo deu luz verde à arregimentação de uma Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras na PSP, que terá, para além da competência indicada, a responsabilidade de tramitar e processar milhares de processos de afastamento coercivo, assegurando, outrossim, as escoltas destes cidadãos, e outros expulsos por ordem judicial, para fora de território nacional. Todavia, e sintomático do jogo habitual do passa-culpas, muitos têm atribuído, sem fundamento, a responsabilidade à PSP pelo caos que se têm adensado nas fronteiras aeroportuárias, designadamente por força da ausência de recursos suficientes para dar uma resposta eficiente à pressão cada vez maior de cidadãos que (ainda bem) escolhem Portugal como destino para visitar, para investir ou simplesmente viver. Foi assente neste pressuposto, de precarização da resposta, que terá sido prorrogado o período de permanência dos últimos inspetores da PJ (ex-Sef), em comissão especial de serviço, para apoio/reforço à fronteira aérea, isto tudo porque, alegadamente, a Polícia não consegue por motu próprio, [ainda], assegurar toda a operação, sendo severa e injustamente criticada, logo à cabeça, pela ANA Portugal, cujas preocupações têm sido, infelizmente, apenas a componente comercial, esperando-se um papel mais ativo e contributivo, não só na compreensão da natureza hercúlea da missão, como na apresentação de soluções – reforço de assistentes para apoio aos viajantes, criação e/ou alargamento dos espaços de controlo, esbatimento da concentração de voos em determinados períodos do dia, entre outras. Mas vamos a factos, e depois passaremos a possíveis soluções que ajudarão, acreditamos, a mitigar o problema.1. A PSP com estas novas competências passou a ter uma necessidade suplementar de mais de 1500 polícias, não tendo, desde o alargamento de competências, havido um reforço no número de admissões, tendo aliás, grande parte deles, ficado com vagas por preencher;2. A alocação de novos “velhos” recursos a este novo segmento de intervenção tem sangrando profundamente os comandos territoriais, fonte dessa mesma provisão, em especial nos Comandos Metropolitanos de Lisboa e Porto, que estão, à data de hoje, abaixo de limiares mínimos históricos, o que naturalmente tem repercussões na capacidade destes manterem níveis de resposta, prevenção e de visibilidade que tantos gostaríamos de ter e que são, curiosamente, também um desígnio deste Governo – veja-se a recente proposta de Lei de Orçamento de Estado;3. Os aeroportos internacionais, em especial o de Lisboa, não param de atingir recordes atrás de recordes de passageiros, sem que tenham sido desencadeados esforços de rearranjamento e dimensionamento das estruturas aeroportuárias, de forma a adequar as mesmas a esta pressão crescente de visitantes;4. Não só a pressão é maior, como a mesma concentra-se especialmente em alguns períodos do dia, com uma média diária de mais de 2000 passageiros a chegar de hora a hora, nos períodos das 06H às 12H, e das 16H às 18H;5. O número de boxes de controlo mantem-se exatamente o mesmo que o SEF tinha antes da transição, o que, compreende-se, deixa pouca margem para que se consiga fazer mais com o mesmo, acrescentando as novas regras e sistema de controlo que naturalmente acrescentará mais algum tempo no controlo de cada cidadão;6. Muita da pressão sentida nos picos de entrada, tem sido, segundo sabemos, mitigada com recurso ao mecanismo de controlo simplificado que devia ser utilizado de forma totalmente excecional de forma a não pôr em causa o rigor do controlo e, enfim, a segurança da operação;7. Para além da anterior medida de mitigação, errada no nosso entender, as estruturas de Comando da PSP têm sido obrigadas a afetar outros recursos policiais afetos à segurança aeroportuária, interior e exterior, para colmatar as necessidades na fronteira, i.e., destapando de um lado para tapar do outro como se diz na gíria; 8. Os Polícias que estão agora afetos a esta nova competência têm uma formação especializada, e estão saturados por estar a prolongar os seus horários, sem qualquer compensação remuneratória suplementar, para conseguir manter os níveis de resposta, sobretudo nestes períodos críticos. Feito este enquadramento, percebe-se então o porquê de estarmos a falar de uma missão quase impossível, que só não o é, por enquanto, à custa do esforço exacerbado que os Polícias e as estruturas de Comando da PSP dessas subunidades têm feito para segurar o controlo na fronteira.O que fazer, é a pergunta que se impõe. Desde logo torna-se incomportável continuar a depauperar o dispositivo das unidades territoriais, afetando os seus já escassos recursos à fronteira, sob pena de colocarmos em grave risco as populações, lembrando que se entram mais pessoas na mesma, teremos igualmente mais pessoas, e mais pressão, nas ruas. Se desguarnecermos ainda mais o pouco policiamento que temos, está bem de ver e de antecipar o que vai acontecer. O que é preciso é dotarmos a PSP de capacidade para ser gestionariamente mais flexível na gestão dos seus recursos, e isso só se faz, como acontece noutros sectores da administração, com o pagamento de trabalho suplementar/horas extraordinárias, para que se consiga ajustar a resposta, mais robusta e alargada, aos períodos de pico de passageiros. Não precisamos de mais recursos sempre, precisamos de mais recursos em determinados períodos do dia, e esta ferramenta excecional, permite ao Comando da PSP, adequar e reforçar as suas equipas operacionais. Isto acontece, para quem não sabe, na PJ (para responder a necessidades investigatórias), no Corpo da Guarda Prisional (para preencher as necessidades constantes nas cadeias), no INEM e Urgências Hospitalares (para encurtar os tempos de resposta na prestação de socorro) e [até] na AIMA (para incrementar a taxa de resposta aos milhares de processos de legalização que estão pendentes). A resposta existe, a solução é aplicada desde há muito (o próprio SEF reforçava os aeroportos durantes os períodos de maior pressão anual/sazonal, com pagamento de ajudas de custo a 100%, mediando entre 1000€ a 1500€ por inspetor), e não tenhamos dúvidas, se queremos responder a este problema, a resposta passará por aqui. Só não se percebe é a resistência do Governo em fazer o que deve ser feito, e que o ajudará a cumprir o tão aclamado desígnio nacional.