Compreender o novo “Eixo do Mal”

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Há um novo “Eixo do Mal” a ameaçar o Ocidente. Se há duas décadas havia, sem dúvida, um elemento erradamente atribuído pelo então presidente George W. Bush à tríade que na altura fazia perigar a segurança internacional (Irão e Coreia do Norte eram presenças corretas, o Iraque estava tragicamente mal colocado), desta vez o triângulo é bem mais ameaçador - e infelizmente certeiro.

Na passada sexta-feira, os membros da Comissão dos Serviços de Informações do Senado dos EUA puderam fazer perguntas a Avril Haines, diretora do complexo de serviços secretos dos EUA (National Intelligence) e ao tenente-general Jeffrey Kruse, responsável dos serviços de informações no Departamento de Defesa. E tiveram respostas tão esclarecedoras como preocupantes.

O diretor da Agência de Inteligência de Defesa dos EUA, Jeffrey Kruse (à esquerda), e a diretora de Inteligência Nacional dos EUA, Avril Haines, numa audiência em 2 de maio. FOTO: D.R. / Arquivo

Ora, de acordo com estes dois oficiais de topo do sistema de informações norte-americano, a “paranoia” de Putin, a aliança entre China e Rússia para invadir Taiwan e as intimidações do Irão constituem o novo “Eixo do Mal”. Só que, desta vez, o triângulo ameaçador inclui, para lá do Irão, o maior país do mundo e maior poder nuclear em número de ogivas - Rússia - e a grande potência em ascensão, que ameaça a superpotência incumbente: a China.

Os serviços secretos dos EUA traçaram no Congresso americano um quadro de graves ameaças à segurança global. A guerra na Ucrânia não terminará “em breve”. A Rússia e a China podem aliar-se para invadir Taiwan. Moscovo, Pequim e Teerão - mais propriamente, Putin, Xi e o regime dos ayatollahs - são o foco a ter a conta num “ambiente altamente complexo de ameaças interconectadas”.

Três protagonistas da ameaça aos EUA

Haines elencou três tipos de ameaças: a “competição” entre potências, sendo que algumas delas desejam “minar” a atual Ordem Mundial e o “sistema internacional”; as ameaças “imprevisíveis”, ataques cibernéticos, consequências das alterações climáticas e terrorismo; por fim as “tensões regionais e localizadas”, com “implicações” na comunidade internacional que vão além da região e dos “países vizinhos”.

A diretora dos serviços secretos dos EUA enumerou três protagonistas que apresentam um maior nível da ameaça para os Estados Unidos e aliados: a China, a Rússia e o Irão, juntamente com os seus proxies.

Para Jeffrey Kruse, vive-se o “nível de ameaça mais elevado em décadas”. Sendo certo que “individualmente” os riscos “estão ao aumentar”, há uma nuance importante a ter em conta, segundo o responsável: um número crescente de adversários que estão a interagir e a fazer pactos de formas que nunca tínhamos visto.

Avril Haines avisou: Putin sente que o tempo corre “a seu favor” e vê como “positivo” que a indústria de armamento norte-americana e europeia não esteja a ser capaz de sustentar o esforço de guerra ucraniano. Há “desafios” na Europa e nos EUA, no âmbito político, “para ajudar os ucranianos”. Putin estará aberto a negociar, mas não está disposto a “fazer quaisquer concessões” que beneficiem a Ucrânia. “As táticas crescentemente agressivas de Putin contra a Ucrânia” - aponta a diretora da National Intelligence - “vão continuar”. Têm como objetivo “dar a impressão à Ucrânia de que continuar a guerra apenas vai aumentar os estragos e não vai oferecer qualquer caminho plausível para a vitória”.

A Rússia pagou um preço enorme pela guerra na Ucrânia. “Perdeu mil milhões de dólares e registou cerca de 300 mil baixas”, Moscovo quer aumentar os custos com a Defesa nos próximos anos, esperando-se que atinja os 7% do PIB e 25% dos custos do Governo Federal.

A China cada vez mais do lado da agressão russa

O responsável dos serviços de informações no Departamento de Defesa expressou as mesmas preocupações e admitiu que os EUA estão “apreensivos” com as capacidades de Washington em responder a essa ameaça. Abrindo duas frentes -Ucrânia e Taiwan -, isso dividiria as atenções norte-americanas.

As ameaças da China e a possibilidade de invadir Taiwan com a ajuda da Rússia: Xi pensa que as relações bilaterais com os Estados Unidos serão marcadas por “instabilidade” nos próximos tempos e Pequim olha para Washington como ainda querendo “conter a ascensão da China e o poder do Partido Comunista”.

Haines não tem dúvidas de que o esforço de guerra de Moscovo foi sustentado, nos últimos tempos, por Pequim: “Os componentes materiais enviados para a Defesa industrial russa foi um dos fatores que deu vantagem a Moscovo na Ucrânia e acelerou a reconstituição da força militar da Rússia, após a sua invasão custosa”.

O Irão, terceiro elemento do “Eixo do Mal”

Quanto ao Irão, a grande preocupação americana está no seu cunho de perturbador continental, pelos seus aliados, espalhados na região do Médio Oriente. Avril Haines aponta: “O Hezbollah não tem interesse numa guerra total contra Israel e os EUA, mas a situação tem potencial para escalar”. Já os houthis vão “continuar a aumentar os ataques” no Mar Vermelho, prejudicando as rotas do comércio internacional.

Não é claro quanto vai durar a pausa na confrontação direta Irão/Israel, mas a tensão no Médio Oriente decorrente da guerra em Gaza e do antagonismo entre Teerão e Telavive pode “galvanizar a Al-Qaeda e o autoproclamado Estado Islâmico”, tendo um “efeito cascata” indesejado.

Os serviços secretos norte-americanos não têm dúvidas de que o Irão providenciou “treino” e “meios financeiros” a grupos como o Hamas para “minar o Estado de Israel”. Mais: Teerão faz isto igualmente para “reforçar a sua influência” no Médio Oriente, face aos países do Golfo, como a Arábia Saudita ou os Emirados Árabes Unidos.

Chasiv Yar é “uma questão de tempo”

No terreno, a situação para a Ucrânia continua crítica. Mesmo com as aprovação de EUA e vários países europeus para novas e fundamentais ajudas, o armamento pode não chegar a tempo de se evitarem avanços muito significativos das tropas russas.

A queda de Chasiv Yar, próxima fortaleza no oblast de Donetsk, será uma questão de tempo. A Rússia aperta o cerco com superioridade de 10 para um no campo de batalha. O major-general Vadym Skibitsky, número dois dos Serviços Secretos Militares ucranianos, admite: “Chasiv Yar pode cair nas mãos das forças russas, de maneira semelhante a Avdiivka, que foi bombardeada até ao esquecimento pelos russos, em fevereiro.” A queda, alega Skibitsky, “não acontecerá hoje ou amanhã”, mas dependerá “das reservas” ucranianas.

Os russos tentam chegar a Chasiv Yar até 9 de maio, Dia da Vitória da URSS sobre a Alemanha nazi. Já não deverão chegar a tempo da efeméride, mas se o fizerem nas próximas semanas, têm caminho aberto para tomar os últimos dois centros urbanos de Donetsk: Sloviansk e Kramatorsk.

A sul, em Ocheretyne, uma troca de unidades militares malfeita levou as forças russas a romper as linhas defensivas ucranianas, criando uma saliência com mais de 25 quilómetros. A Rússia está a preparar-se para lançar um ataque relâmpago nas regiões de Kharkiv e de Sumy, que não veem combates há vários meses. Nas fronteiras destas regiões, a Rússia aglomerou mais de 35 mil homens, mas Skibitsky diz que existem planos para aumentar esse número para 50 ou 70 mil tropas.

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