Lisboa é Portugal. Fora de Lisboa não há nada. O país está todo entre a Arcada e S. Bento!” A denúncia foi escrita por Eça de Queirós na sua obra-prima Os Maias. Quase 140 anos depois, mantém uma surpreendente atualidade: retrata uma centralização que não se limita à capital, mas molda toda a narrativa nacional.Salvo uma modesta resistência do eixo Porto–Braga, as estatísticas são inexoráveis na demonstração de uma macrocefalia centrada na área da capital. É a população, a imigração, o número de empresas, o número de entidades públicas, os salários, o poder de compra – tudo, tudo, tudo.Sucede que o inevitável aconteceu: a Área Metropolitana de Lisboa está a rebentar pelas costuras, e a qualidade de vida degrada-se a olhos vistos. Todos os dias somos bombardeados com notícias que espelham o caos que se vai instalando, numa marcha imparável que limita o acesso à habitação, à saúde e à educação e que alimenta uma perceção de insegurança, tornando cada vez menos vivível esta magnífica cidade.É caso para dizer que, em matéria de centralismo, Lisboa veio de vitória em vitória até à derrota final.A centralização em Portugal não é apenas histórica: é um fenómeno vivo, amplificado por políticas económicas e sociais mal orientadas. O brilho de Lisboa, enquanto centro político, económico, social e cultural, contrasta radicalmente com o declínio das regiões periféricas. Esta condição impede o aproveitamento pleno do potencial nacional, pois o país renunciou à sua riqueza territorial ao concentrar meios e recursos numa só região.Gerou-se, assim, uma espiral que aprisiona simultaneamente a capital e o interior, silenciosamente aceite e muito difícil de interromper. Os territórios com pouca população têm, naturalmente, poucos votos. E num sistema democrático dominado por ciclos curtos, onde se privilegia a conquista eleitoral imediata, há uma tentação quase estrutural de canalizar o investimento público para onde há mais votos. É um raciocínio frio, mas infelizmente real.O resultado é dramático: onde há poucos votos, há pouco investimento; onde há pouco investimento, há poucas pessoas; e onde há poucas pessoas, há menos votos ainda. Assim se alimenta uma espiral perversa, da qual só se sairia com coragem política e com pactos de regime que impusessem prioridades estratégicas para lá das lógicas eleitorais de curto prazo.A vantagem dos pactos de regime é que neutralizam as vantagens eleitorais comparativas. Os partidos – no poder e na oposição – adotam uma mesma voz sobre uma matéria específica, minimizando ou anulando o risco de penalização diferencial nas urnas. Lamentavelmente, essa não é a tradição no nosso retângulo lusitano, razão pela qual persistem as velhas patologias – na justiça, na saúde ou... no centralismo.Um bom exemplo é o plano proposto pelo Governo para a redução progressiva da taxa de IRC. Em vez de o aplicar de forma transversal, poderia ser aproveitada a folga orçamental para introduzir uma curva de redução territorialmente diferenciada – e até disruptiva –, por exemplo oferecendo duas décadas de IRC zero a um conjunto de regiões do interior. Só com medidas deste tipo existirá esperança de interromper uma espiral que nos afeta negativamente a todos, da capital à raia. Professor catedrático