Como lidar com o luto quando não há corpo?

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O luto é um processo natural e necessário que nos ajuda a integrar a perda de alguém significativo e a reconstruir a vida sem essa presença. Mais do que dor, o luto é um caminho de adaptação, com funções psicológicas, emocionais e sociais fundamentais.

Entre essas funções estão:

· Reconhecer a realidade da perda, aceitando a sua irreversibilidade.

· Expressar e elaborar emoções, dando espaço à tristeza, raiva, culpa, medo ou até alívio.

· Reorganizar a vida sem aquela pessoa, ajustando rotinas, papéis e expectativas, e procurando um novo sentido.

· Preservar vínculos simbólicos, mantendo uma ligação emocional saudável através de memórias, rituais ou homenagens.

· Reintegrar-se socialmente, retomando gradualmente a vida familiar, profissional e comunitária.

Essas funções não seguem uma ordem rígida e cada pessoa vive o luto ao seu próprio ritmo.

Mas o que acontece quando não há corpo?

Quando não é possível ver, tocar ou despedir-se fisicamente, o luto pode tornar-se ainda mais difícil. Fica suspenso, como se a perda não tivesse acontecido por completo. A ausência de rituais tradicionais pode dificultar a aceitação e prolongar o sofrimento.

Nestes casos, é essencial criar rituais simbólicos que ajudem a dar forma à dor e significado à ausência. Não precisam ser religiosos ou formais - precisam, sim, de ser verdadeiros para quem os vive. Algumas sugestões incluem:

· Escrever uma carta à pessoa que partiu, dizendo o que ficou por dizer.

· Acender uma vela num espaço tranquilo, criando um momento de silêncio e memória.

· Plantar uma árvore ou uma flor, como homenagem e símbolo de continuidade.

· Criar um álbum ou uma caixa de memórias com objetos, fotos ou palavras significativas.

· Partilhar histórias com outras pessoas, mantendo viva a presença de quem partiu.

Para que o luto seja vivido de forma mais ajustada, é importante dar-se permissão para sentir - sem pressa, sem culpa, e sem fórmulas mágicas. O luto não tem um tempo certo, mas precisa de espaço. E mesmo sem corpo, é possível despedir-se com amor, entrega e presença.

Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal

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