Como fugir de Guilherme de Pádua

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Jair Bolsonaro e Élcio Queiroz, um dos acusados de matar Marielle Franco, têm fotografia abraçados e sorridentes. O presidente da República, a primeira-dama Michelle Bolsonaro e o casal composto pelo pastor Anderson Carmo e pela deputada e cantora gospel Flordelis tiraram selfies juntos, alegres e cúmplices, num jogo de futebol em Brasília, quatro dias antes de ela matar o marido. E agora o casal inquilino do Planalto esteve num evento evangélico com Juliana Lacerda, fotografada ao lado de Michelle, bochecha de uma na bochecha da outra.

Juliana é a atual mulher do ex-ator Guilherme de Pádua, o assassino da atriz Daniela Perez, quando ambos protagonizavam uma telenovela da TV Globo, em 1992, escrita pela mãe da vítima, Glória Perez. Pádua e a cônjuge de então, Paula Thomaz, sequestraram e mataram Daniela com 18 punhaladas num baldio do Rio de Janeiro. No velório, ele abraçou o viúvo, o ator Raul Gazzola, a quem ofereceu força. Preso dias depois, começou por dizer que a vítima é que o perseguia e por ilibar a mulher mas, após zanga, o casal acusa-se mutuamente até hoje.

A ferida desse homicídio brutal foi reaberta por ocasião da transmissão de um documentário onde participam Gloria, Gazzola, outros familiares, outros atores, advogados, polícias e testemunhas. Por isso, Pádua, que nunca deixou de o ser, tornou-se mais tóxico do que nunca. Ainda mais em período eleitoral. E, por isso, o convívio de Michelle com a sua atual mulher, numa igreja em Belo Horizonte, na qual o criminoso atua como devoto pastor evangélico, ressoou na campanha eleitoral.

Michelle defendeu-se utilizando o argumento do marido quando foi publicada a foto dele ao lado do motorista do carro de onde saíram os 13 tiros que mataram Marielle: disse que se fotografa ao lado de centenas de pessoas. Nenhum dos dois se pronunciou sobre o registo no camarote do Estádio Mané Garrincha ao lado de Carmo, morto por 30 tiros, e de Flordelis, que pagou aos filhos para dispararem.

Flordelis é uma bolsonarista convicta e defensora contumaz da família - chegou a dizer em chamadas intercetadas pela polícia que matou o marido porque divorciar-se desagradaria a Deus. O motorista do crime de Marielle, como tantos outros ex-polícias que seguiram carreira no crime organizado carioca, nem se fala: bolsonarista até debaixo de água. E Pádua e a atual mulher estiveram orgulhosamente numa manifestação de apoio ao presidente, em maio de 2020, com o objetivo de minimizar os efeitos da pandemia que mataria 681 mil brasileiros.

"Esses políticos corruptos, esses esquemas de tetas públicas em que o pessoal fica só explorando o povo brasileiro, e o dinheiro e as melhorias não chegam na mão do povo", escreveu Pádua nas redes sociais na ocasião. "Se Deus quiser, o Brasil vai mudar", rematou.

No fim do mesmo ano, por ocasião das eleições municipais, Pádua voltou a verbalizar o apoio ao presidente. "Quem está decidindo as eleições não são os radicais, nem de direita, nem de esquerda, são os moderados, aqueles que querem um Brasil melhor, que querem um Brasil pacificado, então, seja quem ganhar parece que a chance é maior do Bolsonaro", opinou o assassino de Daniela Perez.

Bolsonaro não escolhe quem o apoia - é verdade. Mas Élcio, Flordelis e Pádua escolhem quem apoiar. E os três, por alguma razão, escolheram Bolsonaro.

Jornalista, correspondente em São Paulo

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