Comissões incendiárias
O presidente do Chega, André Ventura, anunciou ontem que o seu partido vai propor a realização de uma Comissão Parlamentar de Inquérito ao combate aos fogos florestais desde 2017. Se a proposta for chumbada, Ventura promete voltar à carga na próxima sessão legislativa, em setembro do próximo ano, com um pedido de caráter obrigatório. Neste momento não o consegue fazer porque já esgotou essa possibilidade ao obrigar à constituição de uma Comissão de Inquérito ao chamado “caso das gémeas”.
A constituição de uma Comissão de Inquérito potestativa pode ser requerida por um mínimo de 46 deputados. O Chega tem 50 deputados e estas comissões acabam por ser o grande instrumento efetivo de poder que André Ventura tem à disposição. Ignorado por uma AD cujo Governo tenta mostrar serviço em áreas onde o Chega foi pioneiro e sempre tentou marcar pontos - veja-se o discurso de Montenegro sobre os incendiários - e ostracizado pelos restantes partidos com assento no Parlamento, o Chega tem nas Comissões de Inquérito o instrumento ideal para levantar temas incómodos, “chatear” quem governa e causar mossa na reputação de quem se atravesse no seu caminho. O Presidente da República que o diga: semana sim, semana não, somos recordados do caso das meninas brasileiras cujas vidas foram salvas porque, após um pedido a Marcelo, o SNS lhes deu o tratamento a que tinham direito enquanto filhas e netas de portugueses, sem que, pelo que se sabe, outras pessoas tenham sido prejudicadas.
De resto, sem prejuízo de em algumas situações se justificarem, não é líquido que as Comissões de Inquérito façam mais bem à democracia do que mal. Em primeiro lugar, já todos sabemos que não servem para o apuramento da verdade, pelo menos da factual, mas sim para a construção de uma narrativa semioficial por via da negociação entre partidos. E este eventual consenso político não se rege propriamente pela bitola do consenso científico.
Em segundo lugar, servem frequentemente de palco a uma variante de política-espectáculo que constitui o terreno ideal para os populistas e os demagogos de esquerda e de direita. Para sobreviverem, as instituições democráticas têm de procurar ser dignas, respeitáveis e inspiradoras. E a transparência é de louvar, mas também pode ter efeitos contraproducentes, porque em determinadas situações pode acabar por colocar em causa a dignitas e a autoritas dessas mesmas instituições democráticas.
Em terceiro lugar, e por último, estas comissões distraem-nos frequentemente daquilo que realmente deve ser feito. Embora Ventura esteja certo no que toca à (des)responsabilização dos decisores políticos no tema dos fogos florestais, o que realmente faz falta não é mais uma Comissão de Inquérito onde os deputados possam dar largas aos dotes oratórios, mas uma verdadeira reforma da gestão do território e das florestas. Porém, este trabalho discreto dificilmente trará votos a alguém.
Diretor do Diário de Notícias