A reunião desta semana em Bucareste dos ministros dos Negócios Estrangeiros da NATO deu mais atenção à China que às opções possíveis em relação à Rússia de Vladimir Putin. Ora, na minha opinião, Putin é a questão fundamental, a maior ameaça para a paz na Europa e a estabilidade mundial. Pode alterar, sem grandes demoras e de modo profundo, a ordem internacional tal como a praticamos há décadas..A importância dada à questão chinesa voltou a mostrar quem marca a agenda da Aliança Atlântica. Para os EUA, a China é a inquietação principal. E quer fazê-la entrar nas prioridades da NATO, apesar de se tratar de um repto distante da razão de ser da organização. A NATO global está fora das possibilidades dos países europeus e não deve ser vista como um objetivo. O fracasso da experiência no Afeganistão lembra-nos isso todos os dias. Para a Aliança como um todo, o que conta é a paz e a segurança na Europa. E é aí que existe, agora, um risco muito sério..A relação entre os EUA e a China é uma matéria complexa, que combina rivalidades económicas com dimensões de segurança e preocupações de influência política. Economia, segurança e diplomacia são problemáticas inseparáveis. A competição entre as grandes potências faz-se nessas três frentes. Assim sendo, Washington não quer aceitar a concorrência da China no Extremo Oriente ou num qualquer arquipélago perdido no Pacífico. Esse será um dos espaços geoestratégicos mais importantes nos próximos anos, para as duas superpotências. Curiosamente, os EUA não ficam particularmente aflitos ao ver a China cada vez mais presente em África, no Irão ou no Paquistão, na Ásia Central, sem falar de Myanmar. Os EUA são uma potência global, mas não têm a mesma escala de interesses em todas as partes do mundo. Nessa matéria, a China parece ter uma ambição mais abrangente. Mas também é um facto que a população chinesa é quatro vezes mais numerosa que a americana e isso é muita boca para alimentar e manter calada..Para nós, europeus, a China é vista acima de tudo como um importante parceiro económico. Mesmo quando dizemos que é um "rival sistémico", como agora é moda repetir. Mas não se entende bem o que contém essa expressão, para além de significar que a China apoia regimes que nós consideramos autocráticos e controla matérias-primas que são essenciais para as indústrias do futuro..Charles Michel, o presidente do Conselho Europeu, esteve ontem em Beijing com Xi Jinping. Foi, de ambos os lados, um gesto de cortesia. Isso é importante. Michel terá aproveitado o encontro para explicar a posição europeia sobre a Ucrânia e as sanções contra a Rússia bem como para partilhar o desejo de ver a China desempenhar um papel mais ativo junto de Vladimir Putin. A mensagem de Michel terá sido positiva, restando saber como, quando e se Xi lhe dará seguimento..Voltando à questão central do momento, sou dos que advogam uma posição muito clara em relação a Putin. Os ataques contra as infraestruturas elétricas, em pleno inverno, são crimes de guerra, que se acrescentam aos já praticados e à ilegalidade da agressão. Por mais geradores e outra ajuda humanitária que chegue ao país, muitas dezenas ou mesmo centenas de milhares de ucranianos, sobretudo os de maior idade, irão morrer de frio. Estes crimes e todos os outros ligados à agressão russa terão de ser trazidos à barra de um tribunal internacional constituído propositadamente para o efeito, como foram os casos do Ruanda ou da Jugoslávia. O próprio Putin deverá sentar-se no banco da frente, entre os acusados. E é preciso que se diga isto claramente. Acreditar, como Jens Stoltenberg e outros, que a guerra acabará à mesa das negociações é diplomaticamente correto, mas no quadro atual praticamente impossível..Não vejo a atual direção russa pronta para se retirar dos territórios ocupados. Tem de ser expulsa ou convencida a sair. E para isso, a Ucrânia precisa de todo o apoio possível e da assistência de uma coligação de países aliados. Não cabe à NATO organizar uma coligação dessas. Mas alguns dos seus Estados-membros devem começar a falar dessa possibilidade, fora do quadro da Aliança Atlântica. E dar um prazo a Putin para que cesse as hostilidades. Esta agressão deve ser transformada numa oportunidade para definir uma nova arquitetura de segurança na Europa..Conselheiro em segurança internacional. Ex-secretário-geral-adjunto da ONU