Clima, despesa e investimento público

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Portugal já sente, de forma clara e crescente, os efeitos físicos das alterações climáticas: ondas de calor mais longas e intensas, secas que comprometem colheitas e abastecimento hídrico, cheias súbitas que paralisam estradas causando danos nas habitações e no comércio e alterando a vida diária das populações, e a subida do nível do mar que gradualmente pressiona áreas costeiras. Estes fenómenos deixam marcas visíveis — casas inundadas, solos empobrecidos, produtividade agrícola reduzida — mas também alimentam um conjunto de riscos financeiros menos óbvios, cuja materialização pode ser tão disruptiva quanto as catástrofes imediatas.

Estes riscos financeiros provenientes das alterações climáticos podem ocorrer em vários setores. As seguradoras e resseguradoras veem aumentar a frequência e o valor dos sinistros e, por isso, reajustam prémios ou restringem coberturas, levando assim ao aumento de potenciais custos para as empresas; bancos com carteiras de crédito mais vulneráveis quando setores como o turismo, agricultura ou o imobiliário enfrentam choques repetidos. O próprio Estado também tem despesas acrescidas decorrentes de custos de emergência, apoios à reconstrução, subsídios acrescidos, indemnizações, investimentos urgentes e, potencialmente, a recapitalização de infraestruturas críticas. Esses encargos imediatos pressionam o défice e a dívida pública. Há ainda os passivos contingentes — obrigações futuras decorrentes de inação ou de responsabilidades legais — que podem surgir de forma súbita e exigir realocações financeiras profundas ou emissões extraordinárias de dívida.

Perceber e integrar estes vetores de risco no planeamento orçamental de longo prazo é, portanto, imperativo. Não se trata apenas de aumentar verbas para infraestruturas verdes, mas de reconfigurar o ciclo orçamental para que despesa e investimento internalizem a dimensão climática: avaliações de risco climático como condição para grandes projetos, provisões específicas para eventos extremos, e mecanismos de etiquetagem que identifiquem claramente o que do orçamento contribui para mitigação e adaptação. Só assim se evita o ciclo de resposta pós‑crise — gastar mais para reparar — e se promove uma lógica pró‑ativa de resiliência.

A implementação da abordagem do Green Public Financial Management (Green PFM) que tem vido a ser incentivada pelo Banco Mundial, FMI e Comissão Europeia em países em desenvolvimento, será sem dúvida também necessária na Europa, em particular em Portugal. Implementar o Green PFM exige medidas concretas e capacidades técnicas. É preciso adaptar normas de contabilidade pública para reconhecer passivos climáticos; desenvolver metodologias padronizadas para medir o impacto ambiental e a vulnerabilidade dos investimentos; e criar instrumentos financeiros que mobilizem capital privado — obrigações verdes, fundos de resiliência, parcerias público‑privadas — sem sacrificar transparência e sustentabilidade fiscal. Estas mudanças institucionais exigem formação especializada nos ministérios, melhor coordenação entre políticas sectoriais e uma autoridade orçamental capaz de avaliar riscos de forma holística. Existem vários países a desbravar este caminho, pelo que Portugal pode interagir com estes e assim obter um conhecimento mais rápido sobre o tema.

Há também uma dimensão política e social incontornável: escolhas intergeracionais e prioridades distributivas. Quanto do orçamento atual deve ser destinado à proteção contra riscos que se materializarão sobretudo nas próximas décadas? Como conciliar essas escolhas com necessidades sociais imediatas? A resposta exige debate público esclarecido, metas quantificáveis e mecanismos de prestação de contas — relatórios regulares, auditorias independentes, indicadores claros. Nada disto se debate em Portugal. Mesmo neste mês repetido de Agosto onde a evidência dos riscos físicos é incontornável.

Portugal tem, nesta encruzilhada, uma oportunidade: transformar a crescente vulnerabilidade climática numa alavanca para modernizar a gestão pública, fortalecer a resiliência económica e proteger bens e vidas. Fazer do Green PFM um pilar das finanças públicas não é apenas prudência técnica; é uma aposta estratégica na capacidade do Estado de assegurar um futuro sustentável e justo. Tendo em conta que Portugal pertence à coligação internacional de ministros das finanças para a ação climática, que lançou em junho os resultados de um inquérito realizado a todos os 98 países subscritores, tendo Portugal não respondido às questões, podemos deduzir que a compreensão dos canais de transmissão entre alterações climáticas e finanças públicas ainda não fazem parte das preocupações e do conhecimento dos governantes. A boa notícia, é que países Europeus como a França, Alemanha, Irlanda, Holanda, Espanha entre outros, responderam ao estudo evidenciando assim trabalho já iniciado, o que pode ajudar Portugal a dar o seu pontapé de saída nesta matéria.

PhD, CEO da Systemic

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