Há duas semanas, um comerciante tradicional celebrou 55 anos de trabalho numa loja de uma grande avenida lisboeta. Começou ainda menino, com apenas 12 anos, quando deixou a aldeia natal para se instalar na capital, vivendo em casa do “patrão”, natural de uma aldeia próxima, e aprendendo um ofício. O pai, hesitante, só o deixou partir depois de ouvir o choro do filho, decidido a sair da aldeia, e da promessa do patrão que o rapaz faria a 4.ª classe.Esta pequena história individual que me foi contada pelo próprio é, afinal, a história de muitos portugueses. Gerações que começaram a trabalhar demasiado cedo, muitas vezes longe da família e para quem a escola era um luxo. Portugal dos anos 1960 e início dos anos 1970 era um país pobre, desigual, com elevadas taxas de analfabetismo e fracas perspectivas de mobilidade social.Mas Portugal mudou. Mudou muito e mudou para melhor. A democracia, conquistada em abril de 1974, foi o motor dessa transformação. Em cinco décadas, a taxa de analfabetismo caiu de cerca de 25,7% em 1970 para pouco mais de 3% em 2021. A escolaridade obrigatória passou da 4.ª classe para os 12 anos de ensino e o número de estudantes no ensino superior subiu de cerca de 80 mil no início da década de 1970 para mais de 448 mil em 2025.Na saúde, a criação do Serviço Nacional de Saúde universal significou uma revolução na esperança média de vida, que passou de valores próximos dos 78 anos em 1974 para cerca de 85 anos hoje. A mortalidade infantil, que rondava as 38 crianças por mil nascimentos em 1974, desceu de forma contínua nas décadas seguintes e situa-se atualmente em cerca de 2 por mil, um dos melhores indicadores do mundo e sinal inequívoco do progresso social alcançado.Também na economia o salto foi notável. O PIB per capita, que em 1974 representava apenas cerca de 50–56% da média europeia, ronda hoje os 80%. A integração europeia trouxe fundos estruturais, modernizou infraestruturas, abriu o mercado e internacionalizou empresas portuguesas. O país que exportava sobretudo vinho, cortiça e têxteis é hoje também referência nas energias renováveis, tecnologias digitais e turismo global.A vida deste comerciante é testemunho vivo dessa mudança. Se em criança saiu da aldeia aos 12 anos para trabalhar e o máximo que poderia fazer era a 4.ª classe, os seus netos podem hoje concluir estudos superiores. Se cresceu num tempo em que a doença era risco sempre presente e sem resposta, eles nasceram com acesso a cuidados de saúde universais. Se viveu sob censura e vigilância, eles nasceram livres, com direitos garantidos e oportunidades que há 50 anos era impensáveis.É verdade que enfrentamos problemas sérios como salários baixos, precariedade laboral, desertificação do interior, dificuldades em reter talento jovem, acesso à habitação ou a gestão do serviço de saúde. E essa insatisfação alimenta uma desilusão crescente com o sistema político e com as instituições democráticas. Mas não podemos ignorar a extraordinária distância percorrida em apenas meio século. Em cinquenta anos, passámos de uma sociedade rural e fechada para uma democracia europeia moderna, aberta ao mundo e plural.Sim. Portugal mudou. Mudou muito e mudou para melhor. E é a memória dessas vidas que nos diz que a democracia é conquista diária, feita de cidadania, participação e responsabilidade. Celebrar os 51 anos de democracia é também celebrar estas histórias individuais de quem, com esforço e esperança, ajudou a construir o país que hoje temos. Cabe-nos agora participar, votar, debater, associar-nos e exigir para reforçar o que corre bem e corrigir o que falta cumprir. Só assim honraremos o passado e garantiremos que a vida das novas gerações seja melhor do que a das gerações que as antecederam. E só assim preservaremos o melhor que a democracia no último meio séculos nos deu.Professor Convidado IEP/UCP e NSL/UNL