O coro de indignação que se levantou contra o adiamento das regras da IA revela o profundo estado de negação em que boa parte da Europa vive. Esses críticos, bem instalados na sua torre de marfim de superioridade moral, gritam que estamos a vender a alma às Big Tech. Mas a realidade é muito mais crua: sem esta travagem a fundo na burocracia, nem alma teremos para vender – não haverá economia digital para proteger.Mario Draghi não foi apenas "bem intencionado" no seu já famoso (espero) relatório. Ele assinou o atestado de óbito do modelo atual. A Europa viciou-se em regular o que não produz. Sofremos de doença legislativa crónica, que transforma qualquer tentativa de inovação numa corrida de obstáculos administrativos. Achar que as nossas empresas conseguem competir com a agressividade da China ou com o capital (quase) ilimitado dos EUA tendo as duas mãos atadas atrás das costas por "ideias de gabinete" de Bruxelas não é otimismo, é alucinação.Enquanto nós debatemos vírgulas sobre "ética nos algoritmos" e criamos formulários em triplicado para "garantir conformidade", os nossos rivais globais estão a treinar modelos com tudo o que encontram na internet, conquistando quotas de mercado que nunca recuperaremos. Claro que a ética é importante, mas ética sem poder económico é irrelevante. Uma Europa que apenas consome tecnologia alheia, subjugada às regras de Silicon Valley ou de Pequim, porque foi incapaz de criar a sua própria, é uma Europa sem soberania.Este adiamento é o mínimo exigível. Se queremos deixar de ser um museu a céu aberto para nos tornarmos num player global, a "hiper-regulação" tem de acabar. As startups precisam de dados, não de decretos. Precisam de "selva" para crescer, não de jardins murados. A escolha é brutal, mas simples: ou aceitamos sujar as mãos na arena da concorrência real, ou continuamos imaculados, puros… e perfeitamente irrelevantes.