Código do Trabalho de Bagão Félix: algo saído do PREC?

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Regresso uma vez mais ao tema do anteprojeto Trabalho XXI, a malfadada tentativa de fazer reengenharia social, que não é demais lembrar, nunca foi anunciada nos manifestos eleitorais de partido algum que tenha concorrido às eleições legislativas de 2025.

Não vou repisar que esta tentativa de reengenharia parece ser tirada à medida dos desejos de quem deseja despedimentos mais fáceis, contratos mais precários, jovens a emigrarem ou trabalhadores das plataformas sem direito a uma vida digna. Ou a minha especial preocupação que com este anteprojeto os jovens, os nossos filhos, sejam precários toda a vida. Repito, toda a vida.

Igualmente me parecem risíveis as alegações que a produtividade das empresas vai aumentar com este anteprojeto, argumento a que voltarei em momento oportuno.

Por ora queria dedicar alguma da sua atenção ao argumento que tenho ouvido que o Código do Trabalho é uma peça legislativa saída do PREC, bafienta, oriunda de uma visão totalitária sobre a sociedade. Nada de menos verdadeiro.

O Código do Trabalho é produto do mandato do ministro do Trabalho e Segurança Social, o Dr. António Bagão Félix, várias vezes secretário de Estado e ministro. Foi aquando do XV Governo Constitucional, de maioria PSD/CDS, ao tempo do Dr. José Manuel Durão Barroso como primeiro-ministro.

Como é seu timbre, o Dr. Bagão Félix construiu uma reputação como excelente técnico e homem com uma visão humanista e que acredita na centralidade do trabalho para a dignidade das pessoas.

O Código do Trabalho, durante muitos anos apelidado pejorativamente de “código Bagão Félix”, pelas esquerdas políticas, data de 2003 (Lei n.º 99/2003). Foi objeto de 26 revisões legislativas, de âmbito e efeitos diversos, emanadas da Assembleia da República, a maior delas no tempo da Troika, culminando uma crise internacional financeira e a ilusão da liderança política portuguesa, de então, que as “dívidas não eram para pagar”.

O Código do Trabalho é uma peça legislativa recente, feita por um humanista, de um governo maioritário de direita, e alvo de sucessivas revisões (sempre favoráveis ao capital e não às pessoas). Não pode ninguém querer fazer-nos acreditar que o Dr. Bagão Félix é um perigoso comunista ou que o seu Código é uma coisa bafienta dos anos 70 do século passado.

Sendo eu filho de um capitão de Abril (e de Novembro), escrevo este texto na semana em que se assinala o dia em que os capitães moderados firmaram a Liberdade que Abril nos fizera sonhar. Não pode ninguém, mas mesmo ninguém, iludir os portugueses. O Código do Trabalho é um filho de Abril, mas também de Novembro. É tudo menos uma coisa do PREC.

Presidente do SNQTB

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