“History may be servitudeHistory may be freedom”(T.S. Eliot) O que as recentes eleições nos Estados Unidos e nos Países Baixos poderiam ensinar-nos é que nem a “melancolia de esquerda” (Traverso), que nos leva a discursos apocalípticos e meramente defensivos face às ameaças reais postas às nossas vidas, nem o medo da palavra “esquerda”, que nos leva a procurar não nos distinguir, ou distinguirmo-nos o mínimo, dos programas e ideais da direita liberal, pode conduzir-nos a alargar o nosso espaço político.A alegria e o otimismo parecem deslocados num mundo de terror e ameaças. Mas é justamente a luta contra essas ameaças e a convicção e coerência nas nossas ideias democráticas e sociais que devem levar-nos a conceber a alegria e a esperança como as forças motoras e positivas de qualquer ação, contra os ressentidos da direita antidemocrática e os animados desconstrutores do Estado Social, que o querem fazer passar por velharia do século XX, quando todos os seus projetos e ideais vêm do liberalismo do século XIX.Espinoza, no século XVII, ensinou-nos que só a alegria é uma paixão positiva, que leva à ação e à mudança. Mas nós vivemos no medo, no medo dos novos fascismos que aparecem por toda a parte, no medo de uma situação mundial descontrolada, no medo de uma economia distributiva às avessas, que nos vai empobrecendo para enriquecer muito poucos. E o medo e a tristeza são paixões negativas, que nos levam a perder a coragem de agir contra.Se deixarmos o descontentamento com a situação presente servir para reforçar o ressentimento e a raiva que movem a direita antidemocrática, estaremos a ser coniventes com o projeto de destruição da democracia política que essa força traz consigo. “O ressentimento é o autoenvenenamento do espírito”, dizia Max Scheler.Mário Soares, de quem festejamos o centenário, deu-nos o exemplo da coragem e lutou sem transigências pelos seus ideais. Era também um homem do lado da alegria, vivendo a vida com prazer e com intensidade. Nós não podemos resignar-nos a esta melancolia discursiva ou resignada, que nos afasta de qualquer luta e nos não distingue do adversário.Este sermão social democrata servirá para alguma coisa? Não seria melhor, na minha idade, escrever sobre as experiências que vivi e os momentos em que a História passou ao pé de mim? É, contudo, o que me parece importante dizer neste momento e escrevo sem me auto censurar.Pode ser que a margem de otimismo que estas recentes eleições nos inspiraram não seja suficiente para deter a maré a crescer num mundo em mudança. Mas a nossa obrigação é não baixar os braços nem ceder à melancolia, porque “só é vencido quem desiste de lutar”.E as novas gerações chamam por todo o mundo para novas formas de luta contra o que nos parece irreversível. A História sempre nos surpreende, para o mal, muitas vezes, mas outras vezes para o bem. Diplomata e escritor