A Carris, sendo uma empresa pública, tem o dever de ser transparente perante os cidadãos. Quer perante os lisboetas, que são seus acionistas, quer perante os restantes, que, historicamente e via Orçamento do Estado, suportaram a sua atividade, os seus prejuízos, as gestões criativas e os seus desvarios. Quem hoje tem, pelo menos, quarenta e muitos anos sabe bem o que era o serviço na década de 80. A Carris, sendo uma empresa pública que é responsável por um equipamento que sofreu uma falha catastrófica que matou 16 pessoas, tem especiais deveres de transparência e deve evidenciar uma predisposição especial para ser escrutinada. Escrutinada pelo poder político que a tutela, escrutinada pela imprensa e escrutinada pelo cidadão na rua, que vê a confiança que tinha na empresa esticar e partir-se como o cabo do Elevador da Glória.Isso implica estar disponível para mostrar, explicar e esclarecer dúvidas sobre os contratos de manutenção que historicamente assinou com empresas externas. Que protocolos de segurança foram aplicados por estas empresas? Eram os mesmos que a Carris sempre aplicou, sem incidentes, durante dezenas de anos?Implica identificar, sem sombra de dúvidas, quando é que “externalizou” estes serviços. Foi em 2010, como aventou Carlos Moedas? O que quer dizer o presidente da Carris, Pedro Bogas, quando referiu - na ÚNICA conferência de imprensa que deu sobre este tema -que “a manutenção do elevador de Santa Justa está externalizada pelo menos desde 2007”?. Como assim, “pelo menos”? A Carris não tem a certeza? A Carris não arquivou os respetivos contratos? Não sabe deles?Repito. A empresa responsável pela operação de um equipamento histórico que sofreu uma falha catastrófica que resultou na morte de 16 pessoas nem sequer deveria estar à espera das muitas perguntas que os jornalistas lhe têm feito e que têm ficado sem resposta. Deveria ser a primeira interessada em restaurar a confiança e divulgar toda a documentação pertinente sobre este assunto. E, sobretudo, a Carris deve fugir à tentação de se esconder atrás da investigação do Gabinete de Prevenção de Acidentes Ferroviários, ganhando tempo à espera das conclusões. Ainda não o fez, e é bom que não o faça.Por último, a Carris - especialmente por todo este contexto - deve abstrair-se de manobras mais frequentes na política, mas que ficam especialmente mal a uma empresa pública.Na sua edição de ontem, o DN publicou um trabalho da jornalista Fernanda Câncio que analisava o que a Carris gastou em manutenção na sua infraestrutura elétrica entre 2020 e 2024, ajustando o valor à inflação. As conclusões deste trabalho, porque partem dos dados que constam nos relatórios da Carris e porque incluem taxas de inflação já apuradas oficialmente pelo INE, não são passíveis de desmentidos. São factos matemáticos.A Carris decidiu, porém, fazer “um não desmentido”, um subterfúgio comum na política, em que pretende negar algo que o DN não escreveu. Quando o DN escreve que, ajustado à inflação, os gastos com a manutenção da infraestrutura elétrica da Carris diminuíram 28%, a empresa contrapõe com uma subida de TODA a manutenção sem ajustes à inflação. Ou seja, pôs todas as fichas a comparar maçãs com pêras, reiterando o argumento (também utilizado por Carlos Moedas) de que gastou mais em manutenção. Um argumento que não resistiu ao escrutínio do DN, nem de vários outros órgãos de comunicação social.É óbvio que este é um momento difícil, crucial, na vida da Carris e do seu conselho de administração. É óbvio que a pressão é intensa e o facto de se ter tornado um tema da campanha para as autárquicas em Lisboa só piora o clima. Mas também será a única coisa pela qual a Carris e o seu “board” serão avaliados nos tempos futuros. Não será o relatório do incidente que o decidirá, mas sim a forma como se mostrarem preparados para assumir, a cada momento, a responsabilidade por tudo o que se passou.