Carlos Moedas vs. Alexandra Leitão. O duelo em pano de fundo

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Estava escrito nas estrelas, como diria Santana Lopes, que a batalha autárquica entre Carlos Moedas e Alexandra Leitão, em Lisboa, teria uma dimensão muito maior do que a conquista do poder municipal na capital do país. Como seria de esperar, a ‘peça’ em exibição durante a campanha eleitoral seria sobre Lisboa, giraria à volta das odes às suas virtudes e da dramatização dos seus problemas, mas, por detrás do pano, as máquinas partidárias e os aliados mais próximos dos dois candidatos sabem perfeitamente que na capital também se trava uma batalha política por um poder maior. No entanto, inesperadamente, à margem do palco – o das encenações políticas e da caça pelo melhor soundbite –, uma tragédia das verdadeiras teve lugar em Lisboa quando o elevador da Glória descarrilou e ceifou a vida a 16 pessoas. Desengane-se quem pense o contrário: a pouco mais de um mês das autárquicas de 12 de outubro, o debate de ideias e propostas para a cidade será apenas para preencher partes do enredo e o que se vai discutir até à exaustão são duas questões: quem tem “responsabilidade política” (qual é o seu alcance e significado) e se alguém está ou não a fazer “aproveitamento político” de um lamentável acidente para ganhar votos.

O duelo entre Carlos Moedas e Alexandra Leitão extravasará as realidades de Lisboa, estando já a entrar no terreno movediço dos ataques pessoais. E não será de espantar que se trate apenas da antecâmara do que vamos assistir mais tarde, quando em jogo estiverem as lideranças de PSD e PS. Moedas é hoje o principal candidato à sucessão de Luís Montenegro, se a oportunidade surgir. Terá para apresentar como argumentos a experiência executiva à frente de uma grande autarquia e algum prestígio europeu que angariou ao desempenhar o cargo de Comissário Europeu para a Investigação, Inovação e Ciência (2014-2019), dois trunfos que Montenegro, por exemplo, nunca teve ao seu dispor. A reeleição em Lisboa não só reforçaria esse capital político como seria, ao mesmo tempo, prova suficientemente forte de que os eleitores não o responsabilizam diretamente pela tragédia do elevador da Glória (uma espécie de atestado de confiança, parecido ao que Luís Montenegro recebeu ao ser eleito primeiro-ministro mesmo cercado pela polémica da Spinumviva). Por outro lado, uma derrota não ditará o fim político de Moedas, talvez apenas um interregno à espera do momento oportuno para reaparecer, quem sabe até evocando que foi alvo de um julgamento injusto pelos eleitores em 2025.

Já Alexandra Leitão carrega outras responsabilidades e dinâmicas. Uma vitória em Lisboa, reconquistando a maior autarquia do país, devolveria ao PS alguma energia perdida com a estrondosa derrota nas legislativas, nas quais passou a ser apenas a 3.ª maior força política no parlamento. Além disso, Alexandra Leitão faria história, tornando-se a primeira mulher a liderar a câmara da capital. E seria ao mesmo tempo o rosto de uma convergência à esquerda, já que lidera uma coligação formada por PS, Livre, BE e PAN (só o PCP ficou de fora). Naturalmente, emergeria como forte candidata a uma futura liderança socialista, com a vantagem de ter tempo para se preparar e ganhar ritmo a trabalhar nos Paços do Concelho, já que José Luís Carneiro é secretário-geral há menos de três meses e tem todo um caminho pela frente na oposição ao Governo até ser verdadeiramente colocado à prova. Perdendo Lisboa, a história será outra para Alexandra Leitão. Passará, primeiro, pela decisão que tomar sobre o seu percurso político e, também, pelo papel que José Luís Carneiro lhe reservar no partido, sendo que a candidata por Lisboa deixou a direção do PS logo após Pedro Nuno Santos perder as legislativas. Uma consequência que parece evidente é que perderá capital político e a montra mediática que Lisboa dá, abrindo espaço para que surjam outros nomes socialistas a arregimentar apoios para uma eventual candidatura à liderança.

Os dados estão lançados. E os eleitores de Lisboa têm nas mãos um voto que vai bem para além do perímetro da capital.

Editor Executivo do Diário de Notícias

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