Carlos Moedas: o xerife que Lisboa não pediu (e que a lei nem permite)

Publicado a

Há quem diga que Carlos Moedas tem visão. Em geral, esta é a opinião do próprio ou de alguém a seu pedido. O problema é que essa visão, ao longo do tempo em que esteve à frente do Município de Lisboa, revelou um confrangedor desconhecimento da cidade, dos seus problemas e, mais grave, das suas próprias competências enquanto Presidente.

O parecer da Procuradoria-Geral da República, cuja homologação foi retida pelo Governo até se tornar politicamente insustentável, veio dizer aquilo que qualquer aprendiz de jurista já sabia: as polícias municipais não são forças de segurança, nem órgãos de polícia criminal. Simples. Claríssimo. Como se não bastasse, o parecer ainda recorda que a competência de deter só existe em casos muito específicos, como o flagrante delito de crimes puníveis com prisão e com a obrigação de entrega imediata do detido às autoridades competentes. Moedas, percebendo que o papel de xerife e a narrativa populista da insegurança pode trazer votos, insiste em fazer de conta que descobriu um buraco na lei por onde pode passar a sua “força da PSP”.

Imaginem a frustração do nosso xerife ao descobrir que as regras da República não se curvam perante as suas narrativas políticas. Uma chatice que em democracia se chama “Estado de Direito”. Para Moedas, aparentemente, a lei é um empecilho que atrapalha as suas aspirações em ter uma Lisboa policiada à sua maneira. Que faça dele um xerife que Lisboa não pediu (e que a lei nem permite).

O xerife empurra com a barriga. Alinha na encenação. E, mesmo depois de confrontado com o parecer da PGR, volta a defender publicamente uma ideia impossível. Não se trata de coragem, mas da sensação inebriante que ser xerife provoca. Ou pior: é calculismo político à custa do medo.

Enquanto isso, a Inspeção-Geral da Administração Interna, alheia à política do tik tok, dos likes e da espuma dos dias - a principal marca do xerife de Lisboa - abriu uma averiguação às atuações da Polícia Municipal, transformadas em espetáculo mediático.

Toda esta encenação visa esconder uma realidade que afeta o dia-a-dia dos lisboetas. A Polícia Municipal tem um trabalho absolutamente meritório. Os homens e mulheres que dela fazem parte trabalham exaustivamente 365 dias por ano, em prol de uma cidade melhor. Fazem policiamento comunitário. Fiscalizam e levantam autos contra aqueles que persistem em não cumprir as regras relativas ao ruído, lixo e trânsito. Mas são desrespeitados quando estes autos (que se calculam várias centenas neste mandato) não têm o devido seguimento na Câmara Municipal de Lisboa.

A Polícia Municipal faz o seu trabalho, mas este acaba por esbarrar na inércia e na falta de vontade política do xerife que Lisboa não pediu (e que a lei nem permite).

No meio deste espetáculo, sobra-nos a certeza de que Moedas conseguiu transformar um parecer jurídico que o contraria num palco para a sua obstinação. Uma fantasia onde só faltam unicórnios. Porque na sua cabeça, o problema não é ter dado ordens ilegais, mas o país inteiro não perceber a “necessidade” de o deixar ser…xerife.

Lisboa merece soluções para os seus problemas. Para o trânsito caótico, para a falta de habitação, para o lixo acumulado, para o espaço público descuidado. Em vez disso, tem um Presidente que prefere gastar energia a reclamar por poderes que não lhe pertencem. Nem podem pertencer.

Em resumo: Carlos Moedas não quer apenas ser Presidente da Câmara. Quer ser xerife, procurador, comandante e legislador, tudo ao mesmo tempo. Lisboa, por enquanto, ainda vive sob a Constituição. Azar do xerife, sorte a nossa.

Presidente da Junta de Freguesia de Alcântara

Diário de Notícias
www.dn.pt