Na antecâmara de 2023, os últimos sete dias demonstraram como o país não se encontra minimamente preparado para o ano que se aproxima. Da canonização de Jerónimo de Sousa à guerra de casos judiciais entre o centrão, das propostas de revisão constitucional feitas com os pés a mais uma quebra de confiança na independência do Banco de Portugal, o que se passou esta semana foi o retrato de um regime doente. Além de crises financeiras e sanitárias, a República atravessa uma crise institucional que é transversal às demais..A sucessão no PCP foi verdadeiramente grotesca, não tanto pela forma, que é a sua, mas pela complacência que recebeu de quem o observou. Augusto Santos Silva, que há sete meses era acusado de contribuir "para a escalada da guerra" pelo partido liderado por Jerónimo de Sousa, saudou o contributo de Jerónimo para "as instituições democráticas", sendo ele presidente de uma instituição insultada pelo PCP ao receber Zelensky por videochamada: a Assembleia. Jerónimo, que se despediu no fim de semana da libertação de Kherson, continua a culpar o Ocidente por uma invasão perpetrada pela Rússia. Apesar disso, várias personalidades chegaram ao ponto de acusar a imprensa livre de incompetência devido ao anonimato de Paulo Raimundo - o novo líder comunista -, quando a vida interna do PCP é por norma fechada e as jornalistas mais especializadas na sua cobertura reportaram unanimemente um sentimento de "surpresa" nas bases..Todos os argumentos que a esquerda democrática utiliza para tolerar o Partido Comunista serão reciclados pela direita no dia em que precisar do extremo oposto. A "simpatia", a "longevidade", a "inclusão no regime democrático", a "participação em acordos parlamentares" são características que o Chega poderá reproduzir amanhã. A sua moderação - de anunciar uma Quarta República nas Presidenciais para ser "contra o sistema e não contra o regime" nas Legislativas - pode nem ser genuína. Mas não é exatamente isso que a direita diz da moderação do PCP desde 1975? A alegada paternidade comunista da Constituição é igualmente frágil, tendo o partido sido contra todas as revisões que desmilitarizaram, parlamentarizaram e europeizaram a lei fundamental..Sobre as recentes propostas de revisão constitucional, que mereceriam todo um artigo, é preciso dizer que começaram com o pé esquerdo. O PS disfarça a tentativa de limitar liberdades fora de Estados de Emergência com uma capa de causas progressistas. O PSD pediu aos seus deputados para subscreverem um projeto de revisão que desconheciam em absoluto, conseguindo a ainda assim surpreendente maquia de 35 em 77 assinaturas..Quanto à demissão de Miguel Alves, agora ex-secretário de Estado do primeiro-ministro, as questões sobre a sua entrada são tão pertinentes quanto as da sua saída, estando arguido em dois processos e suspeito noutros dois aquando do convite para o governo. O timing do Ministério Público, notificando um jornalista antes do visado, acusando um governante ao fim de dois anos sem o acusar enquanto autarca, também levanta dúvidas. Nem o MP se deve deixar instrumentalizar pela luta política, nem os partidos devem ceder ao populismo de substituir os tribunais..Em relação ao processo de António Costa contra Carlos Costa, lamento que o primeiro se tenha sujeitado à mediação de negócios privados no seu primeiro ano de governo ("Costa dá luz verde a Isabel dos Santos no BCP", Expresso, 19/3/2016) e que o próprio Presidente da República o tenha confirmado semanas mais tarde ("Foi obra da intervenção de privados, entidades reguladoras e órgãos do poder político", DN, 11/4/2016), como condeno o anátema que o ex-governador lançou sobre o primeiro-ministro, como se o excesso de proximidade à família dos Santos e ao MPLA não fosse um pecado coletivo do sistema partidário..Na política e na Justiça, a Terceira República degrada-se aceleradamente. O regime está preso por um fio. E era bom que se apercebesse a tempo..Colunista