Cada um tem o que merece
Esta crónica é sobre o pontapé na bola e, por isso, por muito injusta que possa ser, pode dar um desconto: é só sobre a coisa mais importante entre todas as coisas que não importam coisa nenhuma. Mas sendo sobre o pontapé na bola, num momento em que o Mundial já chegou à fase do mata-mata, é sobre coisas sagradas e aí convém não dar desconto: ninguém aceita menos do que ser campeão do mundo!
Por esta altura, ninguém sabe se os deuses do futebol não escreveram já tudo o que vai acontecer no domingo (18.12.2022) à tarde. Se estiver bem escrito, os dois maiores craques do século XXI (Messi e Cristiano) arrumam com os craques que se seguem (Neymar e Mbappé) nas meias finais e jogam entre eles o direito à imortalidade. Messi parte com vantagem, porque está a jogar melhor e os argentinos já decidiram: é ele e mais 10. Coisa que acontece de igual forma com a selecção portuguesa: é Cristiano e mais 10. Com a espectacular diferença de, no nosso caso, ser o próprio Cristiano a decidir. Devo acrescentar que por mim está muito bem decidido, prefiro perder a não dar hipótese ao melhor jogador português de todos os tempos de jogar todos os jogos do seu último Mundial.
Dos argentinos se diz, no Brasil, que a melhor forma de enriquecer é comprar um argentino pelo seu real valor e vendê-lo depois pelo que ele diz que vale. Coisa que se aplica sempre a jornalistas e comentadores e, neste exacto momento, a Cristiano. Sei eu, como sabem os deuses do futebol, que o número 7 é vítima de duas coisas muito comuns em Portugal. A primeira é o nacional-pessimismo, visível da lua em forma de nuvens negras por cima da cabeça de cada português, e a segunda é o nacional-benfiquismo, que só transforma em meninos de ouro (no jornal A Bola) jogadores que tenham passado pelo Seixal.
Messi até pode parecer melhor, ou até ser melhor, se atendermos ao que cada um deles está a jogar. Nasceu com talento, drible fácil que nem ele deve perceber como é que faz. É, portanto, o rapaz rico que herdou o que tem. Cristiano nasceu com vontade, velocidade adquirida com muito treino que nunca dispensa. É, portanto, o rapaz destinado a ser rico pelo trabalho.
Eu quero o Cristiano titular até ao último jogo, mesmo que jogue mal. Prefiro perder no próximo jogo, agradecido por tudo o que ele deu ao futebol português, que adiar a derrota para satisfazer os que não lhe perdoam estar sempre a lembrar-lhes que ele é português da Madeira, não deve nada aos corredores do poder.
A sorte de Portugal é que se os deuses tivessem mesmo escrito que tinha de haver uma final entre Messi e Cristiano, o nosso Sete faria o jogo da vida dele para se poder retirar para o Olimpo, longe de uma imprensa desportiva que, maioritariamente, nem consegue perceber o que lhe passou pela frente. Cristiano Ronaldo é muito maior que o futebol português.
Jornalista