Ao longo do último ano e meio, as evidências de que houve tentativa de golpe no Brasil antes e após a eleição de Lula da Silva acumulam-se..Se, entretanto, o Brasil ainda é hoje, 18 de julho de 2024, uma democracia, deve-o ao povo, que preferiu derrotar Jair Bolsonaro, cujo projeto, se reeleito, era instaurar um regime autoritário; ao poder judicial, que não recuou mesmo com todas as aldrabices sobre fraude no voto eletrónico; e ao chefe do Exército, um dos raros membros da cúpula militar que disse “Não” ao golpe..Mas não só: deve-o também à mediocridade da versão brasileira do “Capitão Brancaleone” e respetiva armada, a commedia all´italiana que Vittorio Gassman e Mario Monicelli imortalizaram em 1966..Primeiro exemplo: um caçador, um taxista e um blogger bolsonaristas planearam um ataque à bomba ao aeroporto de Brasília na Véspera de Natal de 2022 com o objetivo, segundo o primeiro, de gerar caos, precipitar, à custa da morte de compatriotas, a decretação de “Estado de Sítio” e, assim, impedir a posse de Lula. Os 63 mil litros de querosene, porém, não explodiram por inépcia do trio de terroristas de trazer por casa..Dias depois, milhares de bolsonaristas alucinados vandalizaram a Praça dos Três Poderes a exigir um golpe. Como decidiram mostrar a invasão aos amigos, ao vivo, pelas redes sociais, foram facilmente identificados e presos..Na sequência, em buscas à casa de Anderson Torres, ministro da Justiça de Bolsonaro que passara a secretário de Segurança do Distrito Federal e era, por isso, o responsável por impedir o ataque, foi encontrada uma minuta com o passo a passo do golpe. Bolsonaro jurou não ter tido conhecimento do documento - mas a apreensão do telemóvel do ex-presidente provou que ele até o imprimiu..Generais reuniram-se a engendrar o golpe. E a ABIN, equivalente brasileiro à CIA (ou ao SIS), compilou dossiês de políticos da oposição, jornalistas e juízes do Supremo e tentou blindar Flávio Bolsonaro da acusação de desvio de salários dos colaboradores. Mas como provar? Para ajudar os investigadores, os militares gravaram-se a planear o motim e os chefes da ABIN produziram um áudio da conspiração para salvar a pele do primogénito de Bolsonaro..O fetiche por gravadores chegou ao ponto de um senador bolsonarista tentar registar o juiz Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Eleitoral, para o comprometer. Descoberto, acusou outro bolsonarista de ter arquitetado a trama e contou que Bolsonaro dera o aval à tosca operação em reunião no Planalto..E uma deputada contratou até um hacker para furar as senhas de Moraes. Em vez de apanhar em flagrante o magistrado nalgum delito, acabou ela apanhada em flagrante nesse delito..Enquanto tudo isto se desenrolava, Bolsonaro voou convenientemente para os EUA, tendo, para pagar a estadia, desviado o dinheiro da venda de joias oferecidas pelo Governo saudita ao Governo brasileiro..Um general envolvido nessa organização desmentiu qualquer envolvimento. Porém, enquanto fotografava umas das joias para o catálogo bolsonarista de vendas, a cara dele aparece refletida no vidro que a protege. E o ex-advogado do ex-presidente foi visto escondido atrás de um poste a tentar negociar joias numa rua de Miami..Em suma, não foram só os eleitores, a Justiça e a responsabilidade de um militar - a visceral incompetência do bolsonarismo também assegurou a democracia brasileira.