Brasil e Estados Unidos no fio da navalha

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Uma eventual vitória dos Republicanos na próxima terça-feira, nas eleições norte americanas para a Câmara dos Representantes e Senado, poderá lançar de novo o país na órbita das absurdas teses de Trump. Trump e Bolsonaro são representantes de um ideário político que não se esgota na personalidade destas duas figuras. Tanto nos Estados Unidos como no Brasil o populismo tem um apoio popular que tem tendência a permanecer, mesmo depois da derrota dos seus protagonistas principais. As ideias de Trump prosseguem nos Estados Unidos, apesar da sua derrota. A sua base sociológica e política está, praticamente, intacta desde a derrota nas eleições de 7 de Janeiro de 2021.

No Brasil, tal como nos Estados Unidos, o populismo não aceitou os resultados eleitorais. Os argumentos são os mesmos. Há fraude, as eleições não foram escrutinadas, pedem a intervenção das instituições judiciais, desafiam as respectivas forças armadas dos países a intervirem. A violência instalou-se face à estratégia de não reconhecerem de imediato os resultados eleitorais. As sedes das instituições democráticas foram atacadas, como o Congresso nos Estados Unidos, ou nascem bloqueios nas estradas como no caso brasileiro com o país em parte paralisado à data em que escrevo esta crónica.

As instituições norte-americanas resistiram bem aos ataques populistas. As Forças Armadas, tanto dos Estados Unidos como no Brasil, parecem ser hoje uma das componentes mais sensatas dos edifícios democráticos. Esperam, acompanham à distância, não intervêm e deixam espaço a que as coisas se resolvam no âmbito das instituições democráticas. São o que têm de ser. Um pilar decisivo na garantia do exercício democrático.

O populismo trouxe consigo sinais de um retrocesso civilizacional. A recusa da degradação ambiental coloca o planeta em perigo. Bolsonaro permitiu no seu consulado uma contínua degradação da Amazónia. Trump recusou aceitar o preocupante degelo que se verifica nas calotes polares. A ciência viu negadas algumas das suas teses mais experimentadas e provadas. As questões culturais passaram para segunda plano. Há no populismo um analfabetismo científico e uma boçalidade incompreensível neste século. Como podem presidentes dos maiores países do Mundo não aceitarem a eficácia de vacinas, pôr em causa o trabalho de cientistas que dedicam anos da sua vida à investigação?

Trump e Bolsonaro são também uma consequência da incapacidade das democracias resolverem os problemas sociais que os países enfrentam. Como admitir que a democracia norte-americana não tenha, até hoje, um eficaz serviço de saúde gratuito para a população? Como é possível que existam bolsas de pobreza na sociedade norte-americana que crescem, diariamente?

Bolsonaro ganhou as eleições há quatro anos devido ao rasto que o Partido dos Trabalhadores de Lula da Silva deixou na sociedade brasileira. A Lava Jato e a corrupção à volta da Petrobras não foram travadas por Lula da Silva. O Partido dos Trabalhadores não conseguiu conduzir os destinos do Brasil retirando a corrupção dos partidos e da sociedade brasileira. As instituições judiciais foram politizadas e o PT não cuidou de dinamizar uma conveniente separação dos poderes políticos e judiciais.

Os Estados Unidos e o Brasil são hoje países extremados, divididos em blocos políticos antagónicos.
Faltam estadistas como John Fitzgerald Kennedy e Fernando Henrique Cardoso que conquistem o centro político e consigam galvanizar as bases sociológicas daqueles dois países. Que coloquem na ordem do dia os grandes objectivos dos países e das respectivas populações. Que as galvanizem em torno das questões nacionais.

Faltam estadistas e abundam protagonistas políticos de duvidosa consistência. A dimensão política dos que conduzem os destinos das nações é decisiva para não as deixar cair no fio a navalha.


Jornalista

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