Bolsonaro e Molière 

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Há as doenças físicas e as psicossomáticas. Há hipocondria e há “dar migué”, a expressão brasileira para fazer ronha. Esta introdução faz-se necessária antes de se falar sobre o boletim médico de Jair Bolsonaro.  

Quatro dias depois de ser condenado a 27 anos de reclusão e começar a bater-se ansiosamente pelo cumprimento da pena na mansão em que vive e não numa cadeia comum, os advogados do ex-presidente enviaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) exames laboratoriais que apontavam “um quadro de anemia por deficiência de ferro” e “resíduos de pneumonia por broncoaspiração”. E ainda o resultado de uma “biópsia de lesões cutâneas retiradas durante cirurgia na pele”. 

Em paralelo, comunicaram que Bolsonaro mantém “tratamento contra hipertensão arterial, refluxo gastroesofágico, além de medidas preventivas de broncoaspiração”. 

Logo a seguir, o STF recebeu requerimento para uma ida do político ao hospital tratar “um mal estar”, “uma queda súbita de tensão”, “um ataque de vómitos” e “uma pré-síncope”, a sensação de estar quase a desmaiar.

Nos últimos dias, por culpa de “episódios persistentes de soluços”, foi a vez de receber uma visita médica, a que o STF voltou a dar aval.

Contribui para os soluços, os desmaios, os vómitos, a hiper e a hipotensão, o refluxo intestinal, as manchas na pele, a mini pneumonia e a anemia a facada sofrida semanas antes da eleição de 2018, repetem os apoiantes do paciente.

Por causa dela, aliás, o ex-presidente deu ainda naquele ano entrada no hospital para retirar uma bolsa de colostomia na mesma semana em que a imprensa divulgou suposto escândalo de corrupção no gabinete do filho Flávio Bolsonaro.   

Em 2020, a revista Crusoé noticiou que o operacional desse caso depositou cheques na conta de Michelle Bolsonaro, à época primeira-dama. Nem os jornais haviam chegado às bancas e já Bolsonaro retirava “cálculo na bexiga”.

Antes, queimadas da Amazónia colocaram Bolsonaro debaixo do fogo da opinião pública; dias depois, lá entrava ele no hospital para correção de “hérnia”.

Depois, um dilúvio na Bahia matou 25 brasileiros mas o então presidente nem interrompeu as férias. Criticado, engasgou-se com um camarão e foi parar ao hospital. 

Na madrugada de 9 de janeiro de 2023, após acólitos depredarem a praça dos Três Poderes, o ex-presidente foi internado, em Orlando, com “dores abdominais”.

E, logo depois de protagonizar escândalo de jóias oferecidas por governos do Médio Oriente ao Brasil, foi parar ao hospital “para exames no sistema digestivo, tráfego intestinal, aderências, hérnia abdominal e refluxo”. 

O autor deste texto não arrisca dizer se este histórico se deve a problemas físicos ou psicossomáticos, a hipocondria ou migué porque desde que Molière morreu em palco, em 1673, durante a peça O Doente Imaginário, aprendeu que não se deve brincar com doenças.

Já Bolsonaro, que debochou da covid-19, a que chamou de “uma gripezinha” a que estaria imune por ter “histórico de atleta”, e que simulou falta de ar para rir dos infectados, não aprende.

Jornalista, correspondente em São Paulo

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