Bolsonaristas confusos

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Em 1880, os inquilinos das propriedades do político e aristocrata anglo-irlandês Lord Erne em County Mayo, na Irlanda, pediram um desconto de 25% nas rendas em virtude das péssimas colheitas agrícolas daquele ano. Erne rejeitou.    

Na sequência, um capataz inglês nomeado por ele expulsou mesmo 11 dos inquilinos. 

Revoltado, o nacionalista irlandês Charles Parnell propôs que, em solidariedade, ninguém aceitasse trabalhar nas terras dos 11 inquilinos expulsos pelo capataz inglês. 

A ideia resultou: sem ninguém para a explorar, a área tornou-se improdutiva, deixando o capataz inglês desmoralizado. E isolado: depois da expulsão dos 11, ninguém mais em County Mayo aceitou trabalhar em terras administradas por ele e até o carteiro se recusou a entregar-lhe cartas.

O veto, que se tornou uma eficaz forma de pressão, ganhou os jornais. Como era inédita, a forma de pressão tinha de ser nomeada. E, como o famigerado capataz inglês se chamava Charles Boycott, nascia ali o substantivo “boycott”, ou “boicote” em português.

Os boicotes foram, entretanto, utilizados pelas mais diversas ideologias: em 1956, movimentos de direitos civis boicotaram os autocarros no Alabama, nos EUA, depois da afro-americana Rosa Parks ter sido detida por se ter recusado a ceder o seu lugar a um cidadão branco; em 1933, porém, os nazis já haviam determinado um boicote a comerciantes judeus na Alemanha.

Por falar na Alemanha dos anos 30 do século XX, a seita bolsonarista que habita o Brasil nos anos 20 do século XXI também é dada a boicotes. 

Em 2023, Felipe Neto, influenciador digital que, após os quatro anos de retrocesso económico, social, sanitário, intelectual e moral sob Bolsonaro, passou a mirar no ex-presidente tornou-se o rosto dos chocolates Bis. 

Com aquele entusiasmo alienado só ao alcance dos membros de seitas, bolsonaristas filmaram-se então a deitar os Bis no lixo e a comprar o concorrente KitKat. Mas, pelo meio, alguém recordou uma campanha progressista da KitKat, com direito até a beijo gay, e deixou a turba confusa.

Um ano antes, o alvo do boicote fora a TV Globo, supostamente anti-Bolsonaro. No Mundial de Futebol de 2022, a extrema-direita optou então por ver os jogos na Cazé TV, canal de YouTube com os direitos do evento, para fazer pirraça à Globo. Sucede que por estes dias a Cazé TV satirizou as buscas à casa de Bolsonaro e deixou, outra vez, a turba confusa. “Cancelei a minha inscrição na Cazé TV. Querem audiência, vão ter boicote”, disse um ex-espectador da Cazé TV que, como já era ex-espectador da TV Globo, terá de acompanhar o Mundial-2026 pela rádio.

Finalmente, o “Fuga Café”, de Curitiba, anunciou que estava vetada “a entrada a portadores de tornozeleiras eletrónicas” no dia seguinte a Bolsonaro ser obrigado a usar uma. Más notícias para o vizinho “Fubá Café”, vítima de um enxurrada de avaliações negativas no Google de bolsonaristas, mais uma vez, confusos.

Nas mãos deles, os boicotes viraram piada.

Jornalista, correspondente em São Paulo

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