Biden, Os Proximo Dois Anos - Capítulo 6
Vimos nos artigos anteriores que o governo Biden aprovou com sucesso no Congresso quatro projetos-lei que representam despesas gigantescas e que exemplificam uma mudança radical na filosofia do governo dos EUA, de uma abordagem de fundamentalismo de mercado que os EUA seguiram nas últimas quatro décadas para uma intervenção ativa do governo na promoção da política industrial, com uma dimensão protecionista adicional, contradizendo a antiga filosofia americana do mercado livre. Biden conseguiu implementar essa grande mudança de direção porque os Democratas controlaram, ainda que mal, a Câmara e o Senado nos dois primeiros anos do seu mandato, 2021-2023. Agora que os Democratas perderam o controle da Câmara para os Republicanos, será que Biden pode continuar a levar a cabo as suas políticas, ou o novo equilíbrio em Washington nos próximos dois anos comprometerá seriamente a sua agenda?
No sistema político dos EUA, toda a nova legislação tem que ser aprovada por ambas as câmaras do Congresso, o Senado e a Câmara dos Representantes, e depois assinada pelo Presidente (exceto em casos raros em que o Congresso anula o veto presidencial). A partir de janeiro de 2023 e nos próximos dois anos, os Democratas controlam o Senado e a Presidência, mas os Republicanos controlam a Câmara, o que significa que apenas a legislação bipartidária será aprovada. Dado o partidarismo extremo que separa cada vez mais Republicanos e Democratas, é virtualmente certo que nos próximos dois anos Washington enfrente um impasse, nenhuma nova lei importante será aprovada. Para além de procurar legislar nas poucas áreas de possível acordo bipartidário, o que farão o Congresso e o Governo Biden?
Na ausência de legislação relevante, ambos os partidos estarão focados num único objetivo: vencer as eleições de 2024, o que ofuscará tudo. Qualquer ação tomada por cada partido será decidida em função do seu impacto nas eleições de novembro de 2024.
Os Democratas concentrar-se-ão nas realizações dos dois primeiros anos do Governo Biden, com dois objetivos em paralelo: defender e executar os ambiciosos programas apresentados nos seus quatro enormes projetos-lei e, igualmente importante, tentar provar ao público americano que este envolvimento novo e agressivo do Governo na economia é bom para o país e bom para cada cidadão. Essa não será necessariamente uma tarefa fácil, quando o índice de aprovação de Biden tem andado na faixa dos 40%, com mais de 50% dos americanos que desaprovam a sua Presidência. Uma sondagem do Washington Post e do ABC realizada pouco antes do discurso do Estado da União de Biden em 7 de fevereiro evidenciou que 62% dos americanos acham que ele realizou "não muito" ou "pouco ou nada". Essa visão não corresponde à realidade, e Biden no seu discurso enfatizou as suas realizações, em infraestrutura, clima, controle de armas e reconstrução da indústria americana. Mas o Partido Democrata é tradicionalmente fraco a vender as suas realizações; não há muitos motivos para acreditar que Biden seja melhor do que os seus predecessores nesse exercício crítico de marketing, especialmente num país tão dividido em duas blocos opostos de peso idêntico.
Muito também dependerá das escolhas feitas pelos Republicanos da Câmara, liderados por Kevin McCarthy. Será que ele estará disposto a trabalhar com Biden para encontrar áreas de possível acordo bipartidário ou apenas posicionará os Republicanos da Câmara como opositores ativos de qualquer coisa que o Governo proponha? É interessante notar o paralelismo entre a posição de McCarthy na Câmara hoje e a de Biden no Senado antes - em ambos os casos um partido com uma maioria muito estreita é forçado a dar um enorme poder a uma pequena minoria. A extrema direita expressa por Marjorie Taylor Greene na Câmara Republicana de hoje pode ser comparada ao poder de Joe Manchin para negociar a legislação no anterior Senado controlado democraticamente. O poder de McCarthy que foi significativamente diluído pelas concessões que ele deu a essa minoria vocal, os elementos da extrema direita, para vencer a eleição como presidente da Câmara, e a agressividade da sua ala direita não são um bom presságio para um provável acordo entre a Câmara Republicana e o Governo.
Os Republicanos na Câmara farão tudo o que puderem para enfraquecer Biden, especialmente porque as indicações hoje são de que ele provavelmente concorrerá à reeleição em 2024. Sem dúvida lançarão inúmeras investigações com o objetivo de implicar o Presidente em escândalos em torno das ações do seu filho na Ucrânia e atacando o Governo de todas as maneiras possíveis. Podemos prever uma atmosfera de guerra de trincheiras virtual para os próximos dois anos entre os Republicanos na Câmara e o Governo Biden. McCarthy também tentará, mas não conseguirá, desmantelar a arquitetura económica e de bem-estar social que Biden construiu com os seus quatro principais projetos-lei. Os Republicanos controlam apenas a Câmara e não podem bloquear ou anular projetos-lei que foram aprovados nem aprovar nova legislação que inverta a direção da política económica do Governo dos EUA, mas podem atrasar a execução e complicar o trabalho do Governo na realização dos numerosos programas previstos na lei. E vão, tal como anunciaram, aplicar a exigência de que a Câmara aprove um aumento no limite da dívida federal para impor cortes nas despesas do Governo Biden, que este disse que não aceitaria.
Mas a posição de McCarthy não é fácil, os Republicanos da Câmara não estão unidos, alguns membros moderados trabalhariam de bom grado com os Democratas para aprovar projetos-lei bipartidários em áreas como o combate à inflação, segurança nas fronteiras, lidar com a China ou responsabilização do Governo. Alguns observadores acreditam que Biden conseguirá formar uma nova maioria na Câmara, combinando Republicanos moderados com Democratas. Acho isso muito improvável, a ala direita dos Republicanos da Câmara parece estar a controlar a agenda, com Trump em segundo plano, apoiando-a. O outro risco para McCarthy é que os Republicanos sejam culpados pelo impasse do Governo; se o Partido Republicano for dirigido por extremistas incendiários, por exemplo, se a sua posição sobre o limite da dívida federal levar a uma grande crise financeira, os Republicanos podem muito bem ser punidos nas eleições de 2024.
Vivemos um período estranho na política dos EUA, uma inversão do passado recente, com os Democratas a apresentar uma frente unificada pouco frequente por trás da liderança de Biden e os Republicanos a aparecer numa desordem, uma direita que apoia totalmente Trump e muitos outros querendo distanciar-se do Presidente anterior, sem o quererem dizer suficientemente alto, arriscando provocar a ira dos numerosos seguidores de Trump. E os Republicanos não concordam com uma agenda económica clara. Se por um lado McCarthy hoje se alinhou totalmente com a facção de Trump, a sua posição mudará, ou não, dependendo dos desenvolvimentos dentro do Partido Republicano na seleção do seu candidato presidencial para 2024.
O sexto de uma série de artigos sobre a Presidência Transformadora de Biden, fortemente inspirado por um artigo mais longo escrito pelo autor, Biden's Transformative Economic Agenda, para Economia & Empresa, Universidade Lusíada Editora. Artigos anteriores e outros comentários em inglês disponíveis no site: http://rendezvouswithamerica.com.
Autor de "Rendez-Vous with America, an Explanation of the US Election System", Presidente do American Club of Lisbon. As opiniões aqui expressas são pessoais e não do American Club of Lisbon.