Bangladesh

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Desiludido com a sua situação profissional, Afonso, gestor de empresas com alguma experiência, resolveu aceitar uma proposta de trabalho da empresa Square Pharmaceutical, localizada em Dhaka, capital do Bangladesh. Uma multinacional produtora de medicamentos, exportadora para cerca de quarenta países.

Três meses depois aterrava em Dahka. Esperavam-no no aeroporto dois funcionários da empresa que o acompanharam, num veículo também da empresa, ao apartamento que esta pusera à sua disposição, no bairro de Banani, um dos mais elegantes da capital bengali.

Um dos seus interlocutores foi-lhe explicando pelo caminho onde se situavam a sede da empresa e os pontos de interesse da cidade e, uma vez chegados o destino, foi ajudado a levar as bagagens para o apartamento que lhe estava destinado. Informaram-no então de que dispunha de uma semana para se familiarizar com a cidade e tratar da sua instalação. No dia combinado viriam buscá-lo e começaria a trabalhar. Para o caso de precisar de ajuda, deixaram-lhe os respetivos contactos.

Uma vez só, tomou um duche e começou a arrumação das suas coisas, para o que não faltava espaço no amplo apartamento. Quando se ocupava a colocar os seus livros nas estantes, ouviu tocar a campainha da porta. Aberta esta, deparou-se-lhe um homem, uns anos mais velho do que ele, que se apresentou, em inglês fluente: “Sou o seu vizinho, Syed Kamal, sou médico e vim dar-lhe as boas vindas e colocar-me à sua disposição para qualquer ajuda de que necessite”.

“Sou o Afonso Oliveira, português, e agradeço-lhe a gentileza”, respondeu. “Como vê, estou a instalar-me. Mas entre e sente-se. O mais que lhe posso oferecer é um single malt de primeira, que comprei no aeroporto”.

“Não se incomode, não bebo álcool. A propósito, se não leva a mal, atrevo-me a dar-lhe algumas sugestões, que facilitarão a sua integração no meu país”.

“Não levo a mal e até agradeço”, respondeu Afonso.

“Muito embora o Bangladesh tenha o islamismo como religião do Estado, mantém uma forte tradição secular e a nossa Constituição garante a liberdade das várias confissões religiosas. As práticas sociais são conservadoras. Apreciamos vestuário discreto. Ao cumprimentar uma mulher, evite tocar-lhe, a não ser que ela lhe estenda a mão. Não toque na cabeça de uma criança. Quando traçar a perna, certifique-se que o pé não aponta para ninguém; e não aponte com o dedo, use a mão inteira. Não olhe fixamente para um pessoa e não manifeste afetos em lugares públicos.

Quando os alimentos hajam de ser levados à boca com a mão, use apenas a mão direita”.

Afonso agradeceu e procurou memorizar as regras, que lhe pareceram simples.

E Syed concluiu: “Estou certo que vai ser feliz no meu país. Mas não se deixe iludir: apesar de o vermelho e o verde serem as cores das bandeiras dos nossos dois países” - sorriu entre o irónico e o divertido - “isto não é Portugal!”

Antigo presidente do Tribunal Constitucional

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