Avenida Álvaro Cunhal procura novo nome
O Chega conquistou este domingo o concelho de Setúbal com 27,28% dos votos, 3,21 pontos acima dos socialistas, em segundo. O PS vencera nesta região em 2024, com 29,91%. Já o PCP - considerada força histórica em Setúbal e que chegou a ter 17,64% em 2002, tendo-se ficado por 6,49% no ano passado - caiu ainda mais, para os 5,89%. No panorama da esquerda, também os sadinos seguiram a tendência nacional: deram uma ligeira subida ao Livre (de 1,35 pontos percentuais) e eliminaram tudo o resto.
Quer isto dizer que os setubalenses se tornaram de fervorosos marxistas/socialistas em perigosíssimos racistas/neofascistas? Ou que se identificam com essas ideias, como muitos comentadores fazem questão de dizer? Obviamente que não.
Mas é a prova mais do que evidente - se mais fosse necessária - de que existe, como sempre existiu, transferência direta de votantes do PCP (e do BE, do Livre, etc.) para o Chega. Já o escrevi, neste espaço, mas repito-o, pois é mais um mito que muita esquerda gosta de tentar perpetuar.
A resposta para o crescimento da direita foi ontem resumida por um cidadão comum ouvido pela CNN Portugal nas ruas da cidade de Setúbal: “Não gosto muito do Chega, mas estou farto dos comunistas”, disse. “Quero mudança, alguém que faça alguma coisa.”
No meio de todas as barbaridades (e são imensas!) que André Ventura diz todos os dias, há uma mensagem muito poderosa - provavelmente, a mais de todas: “Deem-nos uma oportunidade.”
Isto, num país com pouquíssima tradição liberal - e que 50 anos de democracia pouco ou nada fizeram para a criar, pelo contrário - e com uma elevada percentagem de pessoas que têm uma desconfiança quase patológica relativamente à competência do poder partidário instalado (algo que tanto explica os 45 deputados do PRD, em 1985, como o fenómeno de popularidade de Gouveia e Melo, hoje em dia...), alguém que promete chegar para “limpar o país” arrecada popularidade. Muita.
Quem hoje se diz “de luto”, ou “chocado com os portugueses” (ou algo semelhante), deve viver noutro mundo. Se calhar habita na mesma bolha em que a maioria dos comentadores das TV - aqueles que, afinal, como estas eleições revelaram, na realidade não terem impacto na opinião pública eleitoral, ou não teria Luís Montenegro sido reeleito.
Desconfio que esse é o mesmo mundo que faz com que, quando se passa décadas no poder, como aconteceu em Setúbal, se trate os eleitores como garantidos. E depois, em vez de se lhes resolver os problemas com competência, lhes construam avenidas Álvaro Cunhal, com arte pública à entrada da cidade, e outras pérolas do género.
Mas, objetivamente, exercer o poder de outra forma implicaria, nas últimas gerações, ter ajudado a formar as pessoas para pensarem e decidirem sozinhas... o que faria com que perdessem o seu voto à mesma. Só que, pelo menos, esse não iria para o Chega!
Editor do Diário de Notícias