Astronauta sobrevoa o absurdo
Os bolsonaristas são todos mais ou menos quadrados, mas depois há uns com ângulos mais planos e outros com ângulos mais redondos. O astronauta Marcos Pontes, ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações de Jair Bolsonaro, de 2019 a 2022, está na segunda categoria, a menos grave.
Disse Pontes, piloto de caça e engenheiro aeronáutico, conhecido por ter sido o primeiro brasileiro, sul-americano e lusófono a ir ao espaço, a bordo da nave russa Soyuz TMA-8, em 2006, que “esse negócio de terrorismo tem de parar”. “O Brasil”, continuou, via redes sociais, “não se pode tornar um Irão”.
Pontes referia-se ao atentado de Francisco Wanderley Luiz, que, depois de meses de planeamento, escreveu mensagens na internet e no espelho de casa a ameaçar de morte membros do governo, horas antes de tentar explodir uma bomba na sede do Supremo. Mas que acabaria, graças à ação de seguranças, por se autoimplodir. O ato foi a 13 de novembro - “porque odeio o 13”, escrevera, referindo-se ao número do PT, de Lula, nas urnas eletrónicas.
O astronauta somou então ameaça de morte, ódio político e bomba e obteve, como resultado da operação aritmética, ato terrorista. O que ele foi dizer...
“O cérebro do astronauta ficou no espaço e não retornou com ele”, afirmou um interlocutor do ex-presidente citado pelo jornal Folha de S. Paulo. Fabio Wajngarten, advogado e ex-secretário de Comunicação de Bolsonaro, disse que cogita até “ligar para o Elon Musk para tentar localizar o cérebro dele, que deve estar perto de Marte e até de Plutão, ou então perdido em algum buraco negro do Universo”.
Os bolsonaristas mais ferrenhos irritaram-se com Pontes por Pontes, um dos raros cientistas que tolera Bolsonaro, ter dito o lógico. Eles, sempre na busca do ilógico, do obscuro, do anormal, do absurdo tentam impor a versão de que o atentado terrorista do bolsonarista não foi um atentado, não foi terrorismo e que ele nem era bolsonarista.
E não é a primeira vez que o astronauta indigna a seita: em janeiro de 2020 partilhou, descontraidamente, uma publicação da NASA com a legenda “para quem ainda acha que a Terra é plana, veja a segunda foto... kkk”, junto de uma bela imagem do redondíssimo planeta. O que ele foi dizer...
Num instante, os bolsonaristas expuseram em comentários alvares a desilusão com o ministro por acreditar nessas balelas comunistas de que a Terra é redonda.
Para aceitar pertencer ao governo de Bolsonaro, Pontes partilhará (ou tolerará) muitas das ideias dele, como, por exemplo, que a ditadura brasileira só errou por ter morto pouca gente, que o torturador Brilhante Ustra, conhecido por enfiar ratos nas vaginas das prisioneiras, é um herói nacional, que é preferível ver um filho morrer num acidente a suportá-lo casado com alguém do mesmo sexo, ou que Jesus Cristo, se já as houvesse, usaria armas de fogo à cintura.
No entanto, por força da profissão, é mais redondo do que aqueles bolsonaristas tão planos como a Terra onde julgam habitar.