Assimetrias evidentes: Segurança a duas velocidades

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Infelizmente, e pese embora tenhamos vindo a alertar, ao longo de sucessivos anos, para uma trajetória negativa da PSP no seu quadro de pessoal, centrada, grosso modo, em três grandes premissas:

- A falta de candidatos no ingresso à PSP, com uma involução expressiva na última década;

- O aumento do número de saídas de Polícias para funções noutros sectores/entidades antes do tempo, por força do maior desgaste da profissão e da perda acumulada de benefícios profissionais e sociais;

- O bloqueio à passagem à pré-aposentação (semelhante à passagem à reserva na GNR e à disponibilidade na PJ cf. respetivos Estatutos Profissionais) que tem sido renovado, anos após anos, relativamente aos Polícias da PSP, que são impedidos de lançar mão de um direito potestativo, conquistado pelos seus mais de 36 anos de serviço e 55 anos de idade – cf. art.º 112.º n.º 1 al. b) do Decreto-Lei 243/2015 -, tudo por via de uma cláusula de valor legal qualificado – arts. 2.º e 50.º n.º 2 da Lei do Orçamento de Estado de 2024 - que todos os Governos, desde 2020, têm vindo a fixar normativamente – “Para efeitos do número anterior, o Governo fixa anualmente o contingente prevendo o número de admissões e de passagem à reserva, pré-aposentação ou disponibilidade, tendo em conta as necessidades operacionais de cada força e serviço de segurança e de renovação dos respetivos quadros”, para racionar o número de saídas na PSP, GNR, PJ, Polícia Marítima e Guarda Prisional, fazendo-a depender, do número de admissões (que este autoriza anualmente).

Ora, bem se percebe que neste último plano, o Governo é juiz e carrasco, desde logo porque não só as vagas de ingresso ficam muito aquém das necessidades da PSP, como, a par disso, o número de candidatos tem sido manifestamente insuficiente por força da apatia e passividade dos sucessivos Governos, não só o atual, em querer resolver e reverter problemas estruturais da instituição que afastam [cada vez mais] os jovens desta carreira.

Mas vamos a evidências, já que os apelos, por muito vocais que tenham sido, não surtiram a nenhum efeito junto de quem (des)governa a PSP, e começa desde logo por perceber as graves assimetrias entre os maiores corpos de Polícia do país, PSP e GNR, com diferenças etárias gritantemente assimétricas.

Observe-se o quadro comparativo infra e facilmente se percebe que a GNR apresenta ratios maiores em todos os escalões etários, só perdendo para a PSP, pasme-se, nos últimos dois intervalos.

E as duas grandes conclusões que se podem retirar são: de acordo com o Balanço Social de 2024, a PSP tem 6.083 (34,3%) do seu efetivo com 50 ou mais anos, representando mais de um terço, enquanto a GNR tem 3.625 militares (15,9%), o que ilustra bem a diferença de jovialidade.

A PSP, por travões (i)ilegais, tem 3.221 polícias (18,2%), com 55 ou mais anos de idade, enquanto a GNR, mesmo subordinada ao mesmo travão legislativo, tem apenas 218 militares (1%). Retira-se, portanto, daqui que a GNR consegue apresentar condições, benefícios e soluções que, por ora, têm permitido uma renovação integral de quadros.

Tanto a PSP, como a PJ, têm neste momento próximo de 20% dos seus recursos com mais de 55 anos de idade, ainda que esta última, fruto do mapa plurianual de admissões aprovado em 2022, que prevê a entrada de novos 1100 inspetores até 2026, tem vindo a permitir àquele Serviço de Segurança reverter o envelhecimento do seu quadro de pessoal, contando com concursos aos quais concorrem milhares de candidatos face à melhoria substancial de condições profissionais, designadamente no vencimento – fruto do suplemento de missão e atualização dos suplementos de piquete e prevenção -, não tendo por isso os problemas de atratividade como a PSP se defronta hoje.

Parte desta grande perda de atratividade reside, e estamos cansados de o dizer, entre outras coisas, não só na falta de revisão das tabelas salariais e atualização dos suplementos remuneratórios – designadamente aqueles que compensam verdadeiramente o desempenho de funções em ciclos de desempenho mais penosos, noites e fins de semana -, não sendo preciso criar outros, mas rever, de uma vez por todas os existentes, mas nas diferenças que irradiam das arquiteturas organizacionais da PSP e GNR, amarrando a maior parte dos Polícias, durante anos, às áreas metropolitas de Lisboa e Porto – áreas mais caras, com maior risco e com maior intensidade operacional -, enquanto que a rede da GNR, mais dispersa pelo território, permite aos polícias daquela Força de Segurança obter uma mobilidade mais flexível no sentido de compatibilizar os interesses da instituição e a vida familiar dos seus profissionais.

É, por isso, cada vez mais habitual, vermos Polícias da PSP recém-formados, a transitar para a GNR2 apenas como forma de assegurar uma colocação mais perto das suas residências.

Como machadada final, e de forma iníqua e incompreensível, os profissionais de uma e outra Força de Segurança, são tratados de maneira diferente no que tange o valor da pensão que irão auferir, tudo porque, espantosamente, o Governo anterior, há uns anos, mandou aplicar o regime de cálculo comum [da Administração Pública] à PSP, deixando de fora a GNR, que manteve um regime especial de cálculo que lhe permite, em categorias equivalentes, ter ganhos médios que se situam na ordem dos 300€ a 500€.

Os Polícias não irão admitir mais que o Governo os discrimine de uma forma inqualificável, a não ser que seja mesma a sua intenção fazer implodir uma instituição que deu tanto, e que tem, cada vez mais, que suportar novas e exigentes tarefas.

Não se surpreendam depois com aumentos da criminalidade violenta e do amadurecimento de espaços sem ordem e paz pública. Os Polícias não aguentam mais, e não é justo pedir-lhes mais, quando têm que trabalhar mais anos e recebem menos na aposentação que a GNR e as Forças Armadas, quando são desonrados nas remunerações e em muitos outros direitos.

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