O país, 48 anos depois do verão quente, foi confrontado com a natureza totalitária, antidemocrática e desumana do PCP. Diante de uma oportunidade única ‒ talvez a última ‒ de fazer as suas pazes com a História, o Partido Comunista Português escolheu Putin à liberdade, o expansionismo à independência, a tirania à democracia. Para aqueles que não esquecem a sua luta contra o Estado Novo, este é um momento amargo que desonra esse passado, como a tentativa de instaurar uma ditadura a seguir ao 25 de Abril também o fez..Ao contrário do que os próprios argumentam, lado a lado com Moscovo, a invasão da Ucrânia não é uma resposta à NATO ‒ de que os ucranianos nem membros são ‒, mas sim uma tentativa de evitar a aproximação do país vizinho à Europa, ao Ocidente e a uma economia de mercado e desenvolvimento que a Rússia não tem. As motivações de Putin não são meramente militares mas, como Miguel Monjardino vem apontando, geoeconómicas. Por outras palavras: o inimigo do Kremlin, muito mais do que a aliança atlântica, é o capitalismo. É por isso que o PCP é incapaz de estar ao lado dos ucranianos, que desejam ardentemente a integração no bloco ocidental, e que a posição do Bloco de Esquerda foi tão intermitente no mês que passou..A 12 de fevereiro, o BE não reconhecia "guerra", "ocupação" ou "invasão" da Rússia ao território ucraniano. Duas semanas depois, o mesmo BE votava no Parlamento Europeu uma resolução que reconhecia que tudo isso acontece desde 2014. A única diferença entre bloquistas e comunistas, como se vê, é que os primeiros convivem melhor com a hipocrisia e os segundos com banhos de sangue..Compreende-se, por tudo isso, que a direita não perdoe ao Partido Socialista ter governado sete anos com o apoio destas duas forças políticas, como se entende que a sociedade civil não tolere as equivalências morais que o PC insiste fazer entre a União Europeia e o regime de Vladimir Putin..O meu ponto é que nada disso é suficiente..Não foram nem comunistas nem bloquistas que definiram a política externa portuguesa e a dos demais governos na última década. Não foi Jerónimo de Sousa que avançou com o projeto do gasoduto Nord Stream 2 a seguir à anexação da Crimeia; foi Angela Merkel. Não foi João Ferreira o convidado de honra da parada.do Exército Vermelho em 2020; foi Emmanuel Macron. Não foi Miguel Tiago que decidiu não expulsar diplomatas russos aquando da tentativa de assassinato de Sergei Skripal: foi Augusto Santos Silva. E não foi certamente a Soeiro Pereira Gomes que decidiu transformar as praças financeiras numa lavandaria de dinheiro da oligarquia russa..Não tenho, portanto, a menor pachorra para o ajuste de contas ideológico em curso. A posição do PCP sobre a guerra é deplorável, absolutamente, mas não foram os delírios do partido que causaram esta guerra. Foram as posições passivas do Ocidente em relação a um homem que, no espaço de uma semana, bombardeou escolas e hospitais, ignorou a Convenção de Genebra e a Carta das Nações Unidas e para quem a única paz possível é a obliteração da democracia ucraniana..Putin é filho da irresponsabilidade dos nossos governos. Não da loucura do PCP. Ignorar isso é não ter aprendido nada com a tragédia da Ucrânia.