As venturas e desventuras do plano Trump

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O papa Leão XIV foi muito claro ao classificar o plano de Donald Trump para Gaza como “uma proposta realista”; e realista também porque já acolhida pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. “Esperemos que o Hamas o aceite no prazo estabelecido”, concluiu o Santo Padre, mostrando-se também realista, porque convém não esquecer que o “Hamas” é a outra parte. 

É importante esta opinião de Leão XIV, que representa um poder espiritual independente dos poderes deste mundo e tem sido das pouquíssimas vozes independentes a pronunciar-se sobre os problemas do Médio Oriente, no meio de coros exaltados, muitas vezes cegos no seu maniqueísmo. 

Desde que voltou à Casa Branca, Trump tem tentado trazer realismo a uma política internacional que o seu antecessor baseou na ideologia e no empenho numa moribunda “ordem liberal internacional”. A “ordem liberal” que os neoconservadores, em Administrações republicanas e democráticas sucessivas, quiseram impôr através de conflitos, dos Balcãs ao Iraque e ao Afeganistão, e que teve, em geral, resultados desastrosos, quer para os interesses dos Estados Unidos quer, sobretudo, para os povos locais. 

Trump, no seu primeiro mandato, conseguiu impor os Acordos de Abraão, reaproximando israelitas e árabes. Neste regresso, com uma maior legitimidade popular e outra experiência em termos de equipas e projectos de governo, tem tentado reestabelecer a paz nos conflitos da Ucrânia e do Médio Oriente, por outros  caminhos que não, outrora, os de Biden e, agora, os de Macron – que, em agitação permanente, quer fazer a paz com afirmações belicistas e sem falar com as duas partes, recorrendo ao protagonismo internacional para mitigar o fracasso interno. 

Trump recebeu Putin, e perante a demora do Presidente russo, ameaçou um volte-face americano. E depois das últimas declarações de Trump sobre a Rússia e a guerra da Ucrânia, em que é que fica a tese propagada por conspiratórios ficcionistas e até por responsáveis políticos do “Trump activo russo” e chantageado por Moscovo? 

O plano de Trump para o Médio Oriente é realista. Pararam as fantasias da “Riviera palestiniana”. É na desmilitarização da zona, com a libertação pelo Hamas do resto dos reféns e a retirada em três fases do exército Israelita (IDF) para dar lugar a uma International Stabilization Force (ISF) que o plano incide. Na transição, Gaza deverá ser administrada por um  comité palestiniano “apolítico e tecnocrático”, que responderá perante um “International Board of Peace”, liderado por Trump e Tony Blair. Terminada a transição, o poder será entregue à Autoridade Palestiniana. 

A população de Gaza ficará em Gaza; os combatentes do Hamas serão amnistiados; logo que os 48 reféns sejam libertados, Israel compromete-se a libertar 250 prisioneiros palestinianos condenados a prisão perpétua e mais 1700, presos desde o princípio da guerra. 

O plano pode ser realista, mas não vai ser fácil de executar, uma vez que há radicais dos dois lados – no gabinete israelita, os fanáticos dos chamados partidos “religiosos”; no Hamas, os que vêem a rendição ao ultimato de Trump como uma humilhação para o movimento.  E para Andrew Day, do American Conservative, o próprio “Bibi”, por razões eleitorais, ainda o pode sabotar.  

Mas não deixa de ser um plano realista, até em termos de política interna americana, agora que, pela primeira vez, segundo uma sondagem do New York Times, há mais americanos pró-Palestina do que pró-Israel.

Politólogo e escritor

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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