Todos os dias acordo com o problema das urgências hospitalares como primeira notícia e, confesso, sinto-me feliz por morar em Coimbra. Já perceberão porquê. Pergunto-me o que fariam os noticiários, nesta última semana do ano, se não existisse o tema das urgências. E ocorre-me pensar quantos ministros da saúde já teriam sido afastados, se o governo fosse de outra cor política. Pelo menos dois saíram no passado – um deles precisamente por tentar prevenir o problema, reorganizando as urgências. Espero que desta vez se pense a fundo no assunto e não se caia na ilusão demagógica de que tudo se resolve com a demissão de um ministro.Recordo, a propósito, uma das visitas mais interessantes que fiz durante a última campanha eleitoral autárquica: a ida à ULS de Coimbra. Conheço bem o Hospital de Coimbra, desde logo como utente atenta, e o que ouvi naquele dia pareceu-me uma revolução – e não uso a palavra de forma leviana. O presidente do Conselho de Administração, Alexandre Lourenço, apresentou vários projetos integrados no “Plano Estratégico 2030” e mostrou como o Hospital central começa a articular-se com as restantes unidades do sistema, usando dados e informação para reorganizar serviços.Sempre que reparo que a ULS de Coimbra não aparece nas más notícias das urgências, apesar da sua ampla cobertura geográfica, penso que talvez seja precisamente pela forma integrada e visionária como está a ser gerida, a começar pelos atendimentos feitos de forma descentralizada. Os números de 26 de dezembro são reveladores: de 1793 atendimentos, apenas 799 recorreram às urgências, com um tempo médio de 52,3 minutos para a primeira observação médica. Quem acompanha o que se passa noutros hospitais do país perceberá facilmente as razões para me sentir privilegiada.Em síntese, a estratégia da ULS de Coimbra assenta numa profunda mudança de conceção da gestão: do hospital para a comunidade, do analógico para o digital, do tratamento para a prevenção. E desdobra-se em áreas que vão muito além da tecnologia. Começa pelo bem-estar e satisfação dos profissionais – e, ainda que nem tudo dependa apenas da Administração, o simples facto de colocar este tema no topo da agenda já é um sinal de maturidade organizacional e valorização das equipas. Segue-se o investimento na prevenção, em articulação com as autarquias, reforçando os cuidados de saúde primários e apostando na promoção da saúde e no combate às doenças crónicas. E, claro, inclui a vertente digital: integração de dados, interoperabilidade, personalização de serviços e capacidade monitorização em tempo real.Tudo isto é um desafio de gestão enorme, em prol da eficiência e da resposta aos utentes, e está longe de estar concluído. Mas quando começamos a ver bons resultados num sistema de saúde que há muito revela sinais de crise e de descrença, é difícil não sentir esperança no futuro de um SNS tão ameaçado quanto essencial. É mesmo caso para desejar: que Coimbra seja uma lição. Ex-deputada ao Parlamento Europeu