As tarifas Trump devem ser transformadas numa oportunidade

Publicado a

“Uma ameaça representa sempre uma oportunidade”

Comendador Rui Nabeiro, in “O Legado do Meu Avô” de Rui Miguel Nabeiro

Há dois meses, 11 de Fevereiro, escrevi aqui nestas páginas um artigo intitulado O impacto das tarifas Trump em Portugal deve ser levado a sério porque me apercebi que muitos ilustres académicos portugueses não estavam preocupados com o advento das tarifas de importação que a Administração norteamericana ameaçava impor, muito menos com o seu impacto sobre o tecido económico nacional.

Agora que as tarifas parecem ser uma realidade (com Trump nunca se sabe) eclodiu um perigoso grito de alarme que ecoou em praticamente toda a comunicação social : “Empresas portuguesas “bastante afetadas” por tarifas dos EUA têm de diversificar mercados” (Sapo, JN, CM, MSN), vindo de um dirigente associativo. Um analista também criou manchetes do mesmo nível “Tarifas vão obrigar empresas portuguesas a procurar mercados alternativos. Se não os encontrarem pode haver despedimentos” (CNN, Lusa, Observador, DN). Como é possível que se acredite que esta atitude possa ajudar as empresas num momento de ansiedade?

No artigo que referi chamei a atenção para a situação da balança comercial com os EUA e as indústrias onde as tarifas iriam ter maior impacto. Nestes dois meses testei a tese e, graças à oportunidade do intenso trabalho de terreno da ARBORIS de Norte a Sul, falei com muitos empresários expostos aos EUA e percebi que os melhores já estavam a executar medidas para proteger as suas vendas e margens.

Recordo que os EUA são o quarto maior destino da produção nacional de bens e serviços com quase 7% do volume total, perto de nove bio, e o que mais cresce no top 10 nacional. Se o valor total não impressiona, o crescimento e as margens são determinantes. Passados dois meses e como seria de esperar, a situação evoluiu. O cobertor tarifário para a UE é de facto de 20%, mas a variação de país para país é enorme e Portugal sai a ganhar: de acordo com o Financial Times deste domingo, a nossa tarifa média é de 7%. Este valor mostra bem que os alarmes lançados na imprensa que referi no início não têm razão de ser e podem levar as milhares de empresas de muitos setores a ações precipitadas, prejudiciais e sem retorno.

Procurar mercados alternativos é o trabalho de dia a dia de qualquer empresa. Agora isso lançado como uma ação transversal à economia para que se abandone os esforços nos EUA é um erro ... porque os EUA vão continuar a ser um mercado importante e atrativo muito para além da vida do Presidente Trump. Mais - é nos períodos de incerteza que se distinguem os audazes capazes de perceber as tremendas oportunidades para apostar num mercado onde já estamos, onde as empresas portuguesas investiram muito para entrar e conquistar posições num contexto duro, muito competitivo.

Devemos, como se anda a apregoar, olhar para os EUA como um mercado perdido e compensar com novos mercados? Claro que não. Os EUA não são um mercado perdido e atacar novos mercado é caro e demora tempo até haver uma compensação. Então o que fazer? Vejamos dois exemplos - e a receita é aplicável a praticamente todos, adaptada às suas características específicas.

A categoria de produtos químicos é a maior exportadora para os EUA com 26,7% devido em larga medida ao setor farmacêutico, que escoa 30% da sua produção para os EUA, com algumas a chegar aos 80%. Foi anunciado um período de isenção de tarifas para este setor, mas se e quando terminar estas empresas vão passar a ser taxadas a 20%. Não se pode passar este agravamento aos consumidor por isso há que ser mais agressivo na redução de custos ao longo de toda a cadeia de valor e a indústria sabe que tem margens para isso.

No setor do vinho muitos produtores nacionais passaram anos duros a construir posições nos EUA contra os gigantes locais, franceses e espanhóis. Quando se falou nas tarifas tremeram e quando se falou em 200% entraram em pânico ... um valor que obviamente morreu e passou a 20%. Um artigo recente da prestigiada Wine Spectator sugere com grande lucidez uma série de medidas simples, pragmáticas e muito bem pensadas para defender vendas e margens dos exportadores. Mas isso não evita a higiene básica : cortar custos na cadeia de valor e dividir a perda de margem por produtor, importador e grossista e/ou retalhista -

O que concluir ? Os EUA pesam em centenas de empresas nacionais que investiram anos para entrar e conquistar posições num contexto muito competitivo. É preciso deixar os discursos genéricos e focar energias na realidade das empresas, uma a uma se for preciso. Cada setor e cada empresa tem modelos próprios nos EUA, não há “balas de prata” - a solução está em concentrar esforços no terreno de forma granular. Acredito que nas reuniões do Ministro Pedro Reis esta semana imperará o bom senso e o sentido de realidade que traga às empresas, mais do que apoio financeiro, a audácia e a confiança para que transformem esta ameaça numa oportunidade.

Empresário, Gestor e Consultor

Diário de Notícias
www.dn.pt