Depois da Revolução Francesa e do colapso de Napoleão, os Bourbons regressaram ao poder sob o símbolo da bandeira branca, que se tornaria o estandarte dos restauracionistas e da oposição à revolta popular.A Revolução Industrial, a Comuna de Paris e o crescimento das massas urbanas organizadas deram, entretanto, um novo significado à cor vermelha, “a cor do sangue dos trabalhadores”, dizia-se, que se tornaria o emblema dos socialistas, comunistas e anarquistas.Esta ascensão do vermelho leva a que, no final do século XIX, tanto em França como na Áustria-Hungria, nos círculos monárquicos e clericais, o branco passasse a ser visto como o contraponto ao vermelho, em defesa da tradição contra a revolução, da ordem contra o protesto, do privilégio contra a igualdade.Após a Revolução Bolchevique de 1917, o Exército Vermelho dos bolcheviques enfrenta o Exército Branco, uma coligação heterogénea de monárquicos, liberais conservadores, nacionalistas e forças estrangeiras. O branco, aqui, é o reaproveitamento direto da simbologia da Rússia imperial e da tradição restauracionista europeia.Na Finlândia, em 1918, a guerra civil opõe Guardas Vermelhos a Guardas Brancos, estes últimos apoiados pela burguesia nacionalista e pelos proprietários rurais. Na Hungria, após a República Soviética de Béla Kun, a contra-revolução de Horthy é baptizada de Terror Branco.Sectores monárquicos espanhóis utilizam o branco nas suas bandeiras; a direita católica polaca cultiva a ideia de uma “Polónia branca”, oposta à herança comunista russa. Em Portugal, a “subversiva” palavra “vermelho”, durante o fascismo do Estado Novo, é sistematicamente substituída por “encarnado” pelos zelosos serviços de censura prévia aos jornais.Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o advento da Guerra Fria, o branco passa a simbolizar a tradição cristã, a identidade cultural e a moralidade conservadora, surgindo em manifestações católicas, anti-comunistas ou anti-secularistas.No século XXI, o branco reaparece na Estónia, Letónia e Lituânia, associado à identidade pré-soviética. Na Bielorrússia, a bandeira branca com faixa vermelha torna-se símbolo da oposição democrática. Na Ucrânia, o uso de cruzes brancas em batalhões nacionalistas expressa uma afirmação anti-russa. Mas, contraditoriamente, a própria Rússia de Putin recuperou vários símbolos “brancos” da era czarista.No Ocidente, o branco é hoje mobilizado sobretudo por movimentos católicos tradicionalistas ou por sectores da direita identitária que o associam à moralidade religiosa, à defesa da civilização cristã e também contra a esquerda, os imigrantes e o “wokismo”. Em Portugal, Espanha, França ou Itália, o branco aparece em marchas religiosas, comícios anti-marxistas e manifestações “pró-vida”.Ao longo de mais de dois séculos, o vermelho irrompeu sempre como força transformadora e o branco ressurgiu sistematicamente como a sua negação simbólica.Quem decidiu colocar rosas brancas em vez de cravos vermelhos frente ao púlpito do Parlamento português, na cerimónia de celebração dos 50 anos do 25 de Novembro, desmascarou a natureza reacionária do evento. A simbologia era historicamente de natureza antirrevolucionária e, por isso, anti-25 de Abril, era a declaração gráfica da recusa das suas transformações. André Ventura, o extremista de direita, descodificou a mensagem e explicou a dicotomia ao chegar ao púlpito: “hoje não é dia de cravos vermelhos, hoje é dia de rosas brancas”. Jornalista