As rosas brancas do 25 de novembro não são reacionárias?

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Depois da Revolução Francesa e do colapso de Napoleão, os Bourbons regressaram ao poder sob o símbolo da bandeira branca, que se tornaria o estandarte dos restauracionistas e da oposição à revolta popular.

A Revolução Industrial, a Comuna de Paris e o crescimento das massas urbanas organizadas deram, entretanto, um novo significado à cor vermelha, “a cor do sangue dos trabalhadores”, dizia-se, que se tornaria o emblema dos socialistas, comunistas e anarquistas.

Esta ascensão do vermelho leva a que, no final do século XIX, tanto em França como na Áustria-Hungria, nos círculos monárquicos e clericais, o branco passasse a ser visto como o contraponto ao vermelho, em defesa da tradição contra a revolução, da ordem contra o protesto, do privilégio contra a igualdade.

Após a Revolução Bolchevique de 1917, o Exército Vermelho dos bolcheviques enfrenta o Exército Branco, uma coligação heterogénea de monárquicos, liberais conservadores, nacionalistas e forças estrangeiras. O branco, aqui, é o reaproveitamento direto da simbologia da Rússia imperial e da tradição restauracionista europeia.

Na Finlândia, em 1918, a guerra civil opõe Guardas Vermelhos a Guardas Brancos, estes últimos apoiados pela burguesia nacionalista e pelos proprietários rurais. Na Hungria, após a República Soviética de Béla Kun, a contra-revolução de Horthy é baptizada de Terror Branco.

Sectores monárquicos espanhóis utilizam o branco nas suas bandeiras; a direita católica polaca cultiva a ideia de uma “Polónia branca”, oposta à herança comunista russa. Em Portugal, a “subversiva” palavra “vermelho”, durante o fascismo do Estado Novo, é sistematicamente substituída por “encarnado” pelos zelosos serviços de censura prévia aos jornais.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o advento da Guerra Fria, o branco passa a simbolizar a tradição cristã, a identidade cultural e a moralidade conservadora, surgindo em manifestações católicas, anti-comunistas ou anti-secularistas.

No século XXI, o branco reaparece na Estónia, Letónia e Lituânia, associado à identidade pré-soviética. Na Bielorrússia, a bandeira branca com faixa vermelha torna-se símbolo da oposição democrática. Na Ucrânia, o uso de cruzes brancas em batalhões nacionalistas expressa uma afirmação anti-russa. Mas, contraditoriamente, a própria Rússia de Putin recuperou vários símbolos “brancos” da era czarista.

No Ocidente, o branco é hoje mobilizado sobretudo por movimentos católicos tradicionalistas ou por sectores da direita identitária que o associam à moralidade religiosa, à defesa da civilização cristã e também contra a esquerda, os imigrantes e o “wokismo”. Em Portugal, Espanha, França ou Itália, o branco aparece em marchas religiosas, comícios anti-marxistas e manifestações “pró-vida”.

Ao longo de mais de dois séculos, o vermelho irrompeu sempre como força transformadora e o branco ressurgiu sistematicamente como a sua negação simbólica.

Quem decidiu colocar rosas brancas em vez de cravos vermelhos frente ao púlpito do Parlamento português, na cerimónia de celebração dos 50 anos do 25 de Novembro, desmascarou a natureza reacionária do evento. A simbologia era historicamente de natureza antirrevolucionária e, por isso, anti-25 de Abril, era a declaração gráfica da recusa das suas transformações.

André Ventura, o extremista de direita, descodificou a mensagem e explicou a dicotomia ao chegar ao púlpito: “hoje não é dia de cravos vermelhos, hoje é dia de rosas brancas”.

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