As redes sociais devem permitir o anonimato? 

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Começámos por ter, do lado das chamadas “democracias liberais”, o exercício de manipulação das massas através das redes sociais para coisas tão diferentes como fazer eleger Obama presidente dos Estados Unidos, mobilizar os protestos da Primavera Árabe, promover a oposição a Putin ou, como notoriamente aconteceu na Ucrânia, apoiar políticos e movimentos anti-Rússia e pró-ocidentais.

A resposta a este ataque ideológico inicial foi demolidora: os “donos” das “democracias liberais”, que há 20 anos tanto amavam as redes sociais, vivem hoje a perplexidade de não saberem o que fazer face ao ascenso da extrema-direita e, até, das ideologias fascista e nazi, propulsionado pela difusão profissional, financiada, informatizada, inteligente e apoiada pelos algoritmos de disseminação de uma parte das empresas que dominam este mercado digital. Muitos políticos de centro-direita até já preferem aliar-se a eles...

Na União Europeia, desde a pandemia da covid-19 em 2020, abriu-se um pretexto de defesa da saúde pública para introduzir diretivas de promoção da censura ou penalização da liberdade de expressão, ao qual se seguiu, em 2022, um agravamento dessas medidas em reação à invasão russa da Ucrânia.

Começou-se por tentar obrigar as empresas de redes sociais a serem elas as censoras, o que foi um óbvio tiro no pé, pois concedeu-lhes uma arma política e o poder de decidir calar ou diminuir o tráfego de certas mensagens nos seus meios. As empresas usam, assim, o seu poder censório e os seus algoritmos de difusão para favorecer os seus interesses que, ironicamente, estão agora alinhados, em muitos casos, com os interesses da extrema-direita que os políticos “do sistema” queriam calar.
Subiu-se um escalão e passou-se à censura do “discurso de ódio”, cuja legislação já leva os tribunais, em alguns países, a agirem judicialmente nas redes sociais, mas cuja definição tanto serve para calar um apoio a Vladimir Putin na guerra da Ucrânia como para silenciar a condenação do genocídio promovido por Benjamin Netanyahu em Gaza.

A criminalização do discurso de ódio na Internet não funciona, assim, como defesa da democracia face aos ataques dos seus inimigos, mas sim como arma de controlo ideológico por parte do poder político que domina a democracia — o que nada tem de democrático.

Pior: defender a democracia através da criminalização do discurso de ódio aumenta o arsenal de armas ideológicas e propagandísticas dos não democratas, que facilmente encontram milhares de apoiantes indignados com este argumento simples: “que raio de democracia é esta que censura ou penaliza quem pensa de modo diferente?”.

Como se resolve isto? Como se assegura a liberdade de expressão em democracia, defendendo-a, na Internet, da manipulação ideológica antidemocrática?

Só vejo um caminho: exigir neutralidade aos algoritmos de difusão das empresas donas das redes sociais, mas, ao mesmo tempo, acabar com a possibilidade de publicar nelas sob anonimato. Só assim, sem impedir a liberdade de expressão, mas exigindo responsabilização pessoal, me parece possível diminuir drasticamente a disseminação artificial de mensagens ofensivas, a criação de falsas comunidades online que promovem a intolerância, o uso de memes e vídeos adulterados com conteúdo discriminatório, a publicação de informações falsas e a incitação à violência. 

Jornalista

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