O autor destas linhas fez a carreira universitária, durante mais de 30 anos, e é hoje professor catedrático jubilado. Desempenhou funções de subdiretor e diretor de uma faculdade de direito pública. Estranho seria que não tivesse uma opinião sobre este assunto. Assente-se desde já que aquilo que se discute não é se o ensino superior deve ser gratuito ou não. Infelizmente, as coisas gratuitas são cada vez mais escassas nos tempos que correm. O que se discute verdadeiramente não é se se paga o ensino superior ou não: é quem o há-de pagar. Como acontece, em geral, com os serviços públicos, estes podem ser pagos pelos utilizadores ou pelo Estado. O mesmo vale por dizer, pelos contribuintes. Trata-se de uma questão de âmbito muito vasto: saúde, autoestradas, transportes coletivos, etc. No caso do ensino superior, o peso do financiamento do Estado é muito elevado (56,4%, segundo um estudo das Universidades de Lisboa e do Porto). As propinas, pelo seu lado, representam, comparativamente, uma parte muito reduzida (14%, segundo o mesmo estudo). Assim, o que está verdadeiramente em causa é saber se a parte dos custos do ensino que vem sendo suportada pelos utilizadores deve ser suportada, também, pelo Estado. Dito por outras palavras: se os estudantes não devem pagar nada. Se os estudantes, todos, nada pagarem, a aparente igualdade constitui, implicitamente, um favorecimento dos estudantes já mais favorecidos. Isto porque a utilidade do dinheiro que deixam de gastar com as propinas é tanto menor quanto mais elevado for o rendimento do agregado familiar do estudante. Se todos pagarem, os menos favorecidos deverão beneficiar de tratamento mais favorável: bolsas, prioridade e preços inferiores no alojamento público, preços reduzidos nas cantinas, etc. É o que já sucede e pode e deve melhorar. Abolir totalmente as propinas significa, possivelmente, que alguns dos estudantes beneficiados poderão adquirir aquele livro importante de que precisam. E que outros poderão duplicar ou triplicar o número de shots de vodka que bebem nas noites de sexta-feira. Enquanto contribuinte, nada me agrada mais do que financiar a compra de um livro. Mas não estou disponível para custear excessos alcoólicos. Em conclusão, entendo que a abolição generalizada das propinas no ensino superior seria uma tolice e uma injustiça. Antigo presidente do Tribunal Constitucional e subscritor do Manifesto 50+50 pela reforma da justiça.