A TAP - e, por extensão, alguns antigos governantes que a tutelaram - foram ontem alvo de mais uma daquelas coincidências. Horas depois de, na noite de segunda-feira, ter sido publicado em Diário da República o caderno de encargos para a venda da companhia, na manhã de ontem a companhia recebeu a visita da Polícia Judiciária e do Ministério Público. Não se tratou de uma visita de cortesia.Oito inspetores da PJ, acompanhados por um magistrado, conduziram buscas na sede da companhia durante mais de seis horas, para recolher documentação sobre a polémica indemnização superior a meio milhão de euros que a companhia atribuiu a Alexandra Reis em fevereiro de 2022. A publicação de um caderno de encargos significa o arranque de uma fase crucial do processo de venda, uma vez que se trata do momento a partir do qual os interessados podem analisar as condições de compra, com vista a uma eventual proposta lá mais para a frente.Desde há muito interessados, assumidamente, na compra de 44,9% da TAP (para começar), o grupo Lufthansa, o IAG (British Airways e Iberia) e a Air France-KLM têm tido, nos últimos meses, muito com que se entreter no que diz respeito à companhia de bandeira portuguesa. As contas semestrais não são propriamente estelares - prejuízos em contra-mão com os pares, quebra no negócio da manutenção, emagrecimento das receitas dos voos para o Brasil - e as irritantes notícias que vão saindo de contingências judiciais com a Azul que podem custar quase 200 milhões de euros. A juntar a tudo isto, a mais do que certa inconstitucionalidade do artigo 15.º do decreto-lei da reprivatização, que exime de responsabilidades o Estado nos processos que envolvam a companhia. Um artigo escrito - e isso diz muito - pelo mesmo Estado que desnatou e declarou a insolvência da TAP SGPS para não ter de pagar um empréstimo obrigacionista. As buscas de ontem, relacionadas com mais uma polémica a envolver o Estado, não poderiam ter vindo num timing mais prejudicial. Para quem? Para o contribuinte, que já sabe que o resultado da venda vai ficar, muito provavelmente, aquém do limiar de um bom negócio, e que é mais do que certo que não receberá a totalidade dos 3,2 mil milhões que meteu na TAP para a salvar dos desvarios de gestão das sucessivas administrações e governos. Mas também para a sociedade de advogados que se meteu nesta história para, em nome da TAP, negociar com Alexandra Reis. Nesse processo, assistiu ao “sim” de um ministro à indemnização através de mensagens por Whatsapp e uma troca relâmpago de propostas que, a certo ponto, chegaram a colocar em cima da mesa um milhão de euros para Alexandra Reis. A ex-administradora - que era especialista em procurement (compras) - aceitou metade e transitou para a NAV, a empresa que gere a navegação aérea . E pouco tempo depois, pasme-se, para o cargo de secretária de Estado do Tesouro de Fernando Medina.Claro que para os interessados na compra da TAP, estes episódios são mais do que uma opera buffa. Pelo contrário, constituem um de muitos alertas de que, em Portugal, a presença do Estado numa empresa é quase sempre sinónimo de algo que vai correr mal, mais cedo ou mais tarde. A ideia do Governo de garantir que vai continuar a ter uma palavra decisiva nas decisões estratégicas da empresa já reprivatizada não deixará de ser calculada no preço final.