As pessoas têm a importância que nós lhes damos

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A reflexão de hoje prende-se com a notícia recente de que o Chega está em primeiro lugar nas intenções de voto. E chegamos a este resultado devido a vários factores. Mas há um predominante e que está na génese deste fenómeno. O caso de André Ventura deve muito à comunicação social e como esta, de certa forma apoiada por detrás pelo PS para tentar esvaziar o PSD, tratou a sua figura. Na realidade, catapultou-o para o estrelato. Por mais que o quisesse (e ainda queira) ridicularizar, mais atenção chamava (e chama) para as suas ideias. Mais pessoas ouviam o que ele dizia. Mais atenção tinha. No fundo, fizeram-lhe publicidade gratuita. Os milhões que vários partidos pagam em altura de eleições – flyers, cartazes, entrevistas, por-favor-venham-às-minhas-campanhas-e-digam-qualquer-coisinha – a imprensa e a comunicação social portuguesas fizeram isso tudo de graça para Ventura.

Houve uma coisa que aprendi com António Costa enquanto estive como deputada na oposição na Assembleia Municipal de Lisboa: se não queres que alguém se destaque, não lhe dês importância. Alguns dos discursos mais acutilantes que fiz na vida foram nessa altura, enquanto António Costa era presidente da Câmara de Lisboa. Cada vez que eu ia falar, ele saía da sala. Nem me respondia. Esvaziava as minhas críticas com o desprezo e a calma que o caracterizam. E era como se a crítica não existisse, porque ele ignorou-a. Se não falas na pessoa, se não lhe dás importância nem ao seu trabalho – mesmo que este o seja – eles não existem. Pelo contrário, se continuamente falas, discutes, dás a conhecer, repisas, julgas que deitas abaixo moralmente uma pessoa ou as suas ideias, haverá quem acabe por perceber que essa pessoa e essas ideias existem, a curiosidade desperta, a empatia cresce, o sentimento de revolta aparece, o destaque está dado. Quanto mais falarem, maior a visibilidade, mais importante a pessoa se torna. E isso gera votos. Nem que seja daqueles que não estão satisfeitos com o estado das coisas.

O resultado é este: em menos de uma década, um obscuro deputado sem qualquer relevância do PSD se tornará o primeiro-ministro de um partido que ainda ninguém percebeu bem quem o forma. Porque, quem interessa, é o homem que lhe dá a cara. E esse homem é um produto do sistema, mesmo dizendo-se contra ele.

Professora auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa e investigadora (do CIDEHUS). Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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