As eleições só valem se ganharem
Estamos longe de saber quem vai vencer a eleição presidencial norte-americana de 5 de novembro (Trump lidera a corrida a 167 dias da decisão; Biden tem margem para recuperar), mas de uma coisa podemos já ter a certeza: se Trump perder, grande parte dos seus apoiantes não vão acreditar - e não vão aceitar.
Os principais apoiantes da via trumpista recusam-se a comprometer-se a aceitar os resultados das eleições de 2024. Para estes novos “republicanos”, versão populista, as eleições só valem se ganharem. Em caso de derrota, usa-se a tese da fraude e atira-se lama para confundir os incautos que ainda caem nas falsas equivalências. Resultado: todo o sistema democrático fica posto em causa.
É assim que as Democracias morrem
Sim, é possível que o 6 de janeiro de 2021 - ataque ao Capitólio - volte a acontecer. Um dos sinais de alarme é a consistência na resposta dos possíveis candidatos a “vice” de Trump, no sentido de porem em causa a legalidade de uma eventual reeleição de Biden e um reforço na tese de “fraude” na eleição de 2020, acusação que, embora falsa, esteve claramente na base do que incitou os invasores do Capitólio.
Um dos mais prováveis candidatos à vice-presidência pelo ticket republicano, o senador Tim Scott da Carolina do Sul, tem-se recusado a dizer se aceitará o resultado, fazendo aumentar as preocupações de que os EUA possam assistir a uma repetição das violentas consequências da derrota de Trump há quatro anos.
Michael K. Miller, professor de Ciências Políticas da Universidade George Washington, especialista em Democracia, disse que republicanos como Tim Scott estão “claramente a querer ser o vice-presidente, por isso precisam de adotar a retórica preferida de Trump”. “É assim que as democracias se desintegram.”
Mike Pence, vice-presidente de Trump no mandato 2017-2021, rompeu com o chefe precisamente por causa desse dia. A 6 de janeiro de 2021, por se recusar a seguir a via do golpe, Pence terá escapado por um minuto e pouco à fúria da turba invasora.
Na recente entrevista à revista Time, Donald Trump não descartou a possibilidade de violência política caso perca novamente. Embora tenha dito que não achava que iria haver violência, ressalvou: “Dependerá sempre da justiça da eleição.” Trump minimizou os acontecimentos de 6 de janeiro, disse que não se arrependia de contestar os resultados de 2020 e instou as pessoas a “seguirem o seu coração” em eleições desafiadoras.
Joe Biden, precavido e sem ilusões, deixa o aviso: “Se eu vencer as eleições de novembro, Trump não admitirá a derrota. Não se pode amar o nosso país apenas quando ganhamos.”
Na mesma linha, Bennie Thompson, congressista democrata do Mississípi, que presidiu ao Comité Especial da Câmara dos Representantes que examinou o ataque ao Capitólio, alega: “Existe potencial para outro 6 de janeiro.”
“A maioria das pessoas que orquestraram o dia 6 de janeiro dizem agora, com todas as palavras: ‘Não tenho certeza se aceitarei as conclusões das eleições de 2024’.”
As sondagens mostram que os eleitores - especialmente os republicanos - estão longe de confiar na democracia americana. Um estudo do Quinnipiac, realizado em março, descobriu que os eleitores estavam quase igualmente divididos sobre se achavam que o sistema democrático dos EUA estava a funcionar. No caso dos republicanos, apenas 45% disseram que sim. O valor dos democratas era ligeiramente superior.
Ainda assim, questionados sobre o quão confiantes estavam de que os votos serão contados com precisão em novembro, dois terços dos eleitores, em geral, disseram estar “muito” ou “um pouco” confiantes.