Apagado

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Nem luz, nem água, nem rede. Pouco combustível e bateria do telemóvel quase morta. Eram 16h00 e a sensação era de impotência. O máximo que podia fazer era estar nos sítios certos, à hora certa. À porta de uma escola básica, no Montijo, reinava a tranquilidade. Não fosse o aviso da auxiliar à saída dos alunos – “se amanhã não houver eletricidade, não há aulas” –, seria um dia normal. Um total contraste perante o que se via nos supermercados (aqueles que já não tinham fechado portas). Entro num e reina a confusão. Todas as caixas estão abertas, mas as filas são gigantes. Água é o bem mais disputado. Uma funcionária pergunta em voz alta, corredor a corredor, se algum cliente estacionou em frente à loja. Acrescenta que há um camião carregado com água, que não consegue passar. Ninguém lhe responde.

Se para o retalho o dia até pode ter ditado um pico de vendas inesperado, muitas médias e pequenas empresas, forçadas a fechar, não podem dizer o mesmo. Sou informado de uma que conseguiu ligar o gerador e onde posso ir carregar um pouco o telemóvel. Trabalha no ramo alimentar e o gerador permite-lhe manter a integridade dos bens que guarda. Mas apenas isso. Sem comunicações, não há como processar encomendas. Um dia perdido, sem linhas de apoio que ajudem a minimizar o prejuízo.

De seguida, vou ao encontro dos meus pais, com quem não tive qualquer tipo de contacto desde o apagão. Também estão 'às cegas', mas pelo menos possuem fonte própria de água – se lá chegar, no meu plano pós-reforma esta será a prioridade número 1.

Um carro movido a gasolina e a sua antena que capta ondas de rádio são, por esta altura, a única forma de me sintonizar com o que estava a acontecer. Escuto que Espanha começa a restabelecer a energia beneficiando das ligações que tem com França e Marrocos, enquanto que Portugal apenas se pode socorrer do vizinho espanhol, onde teve origem todo o problema. A visão romantizada de estarmos no cantinho da Europa faz ainda menos sentido. Soa a dependência extrema. Ouço ainda que quando for recuperada a produção nas centrais da Tapada do Outeiro e de Castelo de Bode poderá ser restabelecida a energia no país (o que demorou em alguns territórios mais de doze horas...). O meu filho bombardeia-me com perguntas a que não sei responder: “Mas quando tempo demora? Mas porquê é que isto aconteceu? Se falta a luz, porque é que também não há água? Amanhã vou ter escola?” Assumo a ignorância e retorno a casa.

Continuo sem conseguir comunicar com ninguém, nem com os meus camaradas de redação que foram mantendo o DN ativo ao longo do dia. O jantar faz-se à luz de velas. Mas, mais uma vez, a atmosfera não é romântica. Mesmo no escuro, é fácil ver o que o país não estava preparado para responder rapidamente a este tipo de crise. Que a questão da soberania energética é pouco discutida. E que têm de haver mais centrais de backup, como a da Tapada do Outeiro e a de Castelo de Bode (uma medida que o Governo viria a confirmar esta terça-feira). Aos poucos, perto das 23h00, volta a rede e com ela um tsunami de mensagens. Às 23h09, recebo a única mensagem da Proteção Civil a dizer que a ligação de energia está a ser gradual. Às 23h30, finalmente, faz-se luz (a água só voltaria de madrugada). Escuto vizinhos a celebrar como se fosse um golo. As luzes acendem-se um pouco por toda a casa. Uma das assoalhadas em que isso acontece é o quarto daquele menino de 9 anos que, com as suas perguntas, me fez ver o quão escuro foi, de facto, este apagão. Desligo a luz e é a olhar para ele, imperturbável no seu sono, que tomo a primeira decisão do pós-28 de abril: comprar um rádio a pilhas. E esperar que o que aconteceu sirva para aprendermos, em conjunto, a não fazer planos para a crise em plena crise.

Editor Executivo do Diário de Notícias

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