É ao centro que bate o coração da democracia

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O centro político é muitas vezes desvalorizado no debate democrático. Para uns, representa indecisão ou tibieza; para outros, é apenas uma zona de compromisso pouco estimulante. Contudo, num tempo em que os extremos ganham terreno, como nos mostra a República Chéquia e as redes sociais amplificam a polarização, é precisamente o centro que assegura a estabilidade, a moderação e a capacidade de construir consensos duradouros. Sem uma força de equilíbrio que una o que os extremos dividem, o diálogo esgota-se, as soluções tornam-se reféns da emoção e a confiança nas instituições diminui. E a política não pode ser apenas combate. Precisa também de ser ponte.

A primeira virtude do centro é a procura do equilíbrio. As democracias modernas vivem da tensão entre liberdade e igualdade, direitos e deveres, inovação e tradição. Os extremos tendem a glorificar um dos polos, sacrificando o outro. O centro, pelo contrário, reconhece que a governação democrática exige sínteses, equilíbrios e ajustamentos permanentes. É no espaço do centro que se encontram soluções sustentáveis para sociedades plurais e diversas, capazes de resistir ao tempo e às mudanças de ciclo.

A segunda virtude é a capacidade de diálogo. Governa-se com maiorias, mas também se governa para as minorias. O centro político é o espaço que mais naturalmente procura integrar posições diversas, escutar diferentes atores e traduzir essas vozes em compromissos políticos. Numa época em que a crispação domina, como na França, a moderação torna-se não sinal de fraqueza, mas de coragem democrática. Escutar, dialogar e negociar são competências centrais para liderar sociedades complexas.

A terceira virtude é a resiliência institucional. O centro, ao recusar radicalismos, protege os alicerces da democracia: direitos individuais e coletivos, estado de direito, eleições livres e justas e separação de poderes. As democracias só prosperam quando os seus pilares são respeitados. O centro político garante que a necessária mudança política não destrói as regras do jogo democrático.

A quarta virtude é a inovação responsável. Os extremos, sejam eles de direita ou de esquerda, oferecem soluções simplistas para problemas complexos. O centro procura inovar sem romper com a realidade, reformar sem destruir, mudar sem deixar de proteger os mais vulneráveis. É também no centro que se identificam as soluções mais eficazes para responder às dificuldades das pessoas, conjugando o melhor do Estado e do mercado, sem se deixar aprisionar por limites ideológicos.

A quinta virtude é a representatividade maioritária. A maioria dos cidadãos não se reconhece em propostas extremadas; procura antes segurança, progresso e justiça equilibrada. O centro político, quando ativo e confiante, traduz a voz da maioria que deseja soluções práticas e viáveis.

Importa ainda sublinhar que o centro político não impede a alternância democrática. Pelo contrário, garante que a alternância entre diferentes opções políticas se faz dentro das regras da democracia, respeitando instituições, direitos e procedimentos.

Num tempo em que a democracia enfrenta ameaças internas e externas, é urgente reabilitar o valor do centro político. Não como espaço de complacência, mas como o coração da democracia moderna: plural, dialogante, responsável e reformista. É no centro que a liberdade encontra estabilidade e a mudança encontra direção.

Escrevo esta coluna antes de saber os resultados e as taxas de participação das eleições Autárquicas. Mas, como um orgulhoso “greater fool” – expressão que descreve quem insiste em acreditar na força da democracia, da moderação e da decência mesmo quando o mundo parece duvidar delas – espero que as pessoas tenham escolhido soluções ao centro. E se algo não tiver corrido bem, teremos de trabalhar para que corra melhor nas Presidenciais. Porque a democracia é de todos e o seu coração bate no centro.

Professor Convidado UCP/UNL/UÉ

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