Não é por acaso que António Costa sublinha na Coreia do Sul o filão do lítio. Os sul-coreanos transformaram-se num dos melhores produtores de carros elétricos e o primeiro-ministro soou à Pavarotti em Seul ao oferecer Portugal como a maior reserva de lítio da Europa (a 8.ª maior do mundo). Só que já vimos este filme. Sócrates também arrasou os vales do Tua e do Sabor em nome da autossuficiência portuguesa (leia-se, negócios da EDP-Three Gorges). Trás-os-Montes ficou sem o potencial turístico da Linha do Tua e o refúgio de natureza do Sabor, mas teve ainda mais surpresas: a venda das barragens. Ou seja, pouco mais de 10 anos passados, e lá foram elas parar a uns franceses, certamente interessados no rótulo verde de "energias limpas", seja a que custo for..Com a agravante de ser sempre possível um esquema fiscal tolerado pelo governo da circunstância em que a única construção que não paga IMI na revenda (115 milhões) é uma colossal barragem..Há alguns meses atrás, um alto responsável da Comissão Europeia dizia, em privado, que Portugal não devia colocar-se na mesma situação da África mais pobre e vítima do extrativismo global. Porque estas explorações marcam por séculos as regiões e tornam péssima a vida, a água e o ar de quem por lá tem de respirar. Aliás, porque será que as populações de Montalegre e Boticas querem defender até às últimas consequências o seu modo de vida? Há o esventramento de uma região para os interesses da Galp e outras grandes companhias, sobretudo porque tem de se fragmentar 10kg de rocha para se obter 1kg de lítio - ao contrário de outros países do mundo em que o lítio é um sal de superfície (um pouco como as nossas salinas). O desperdício no Alto Minho é colossal - e o amontoado de escombreiras lá ficará, por séculos..Entretanto, alternativas ao lítio? Ninguém ignora a urgência de limitarmos os combustíveis fósseis, tirando o controlo do mundo das mãos dos maiores fósseis de todos: Putin e os medievais emirados/teocracias do Golfo Pérsico. Mas o que está em causa na transição para os veículos elétricos é a possibilidade de muitos outros materiais substituírem o lítio sem uma pegada ecológica tão violenta, num processo gradual e de menor impacto ambiental. As experiências com cloreto de sódio, na Universidade do Minho, mas igualmente de muitos outros materiais pelo mundo fora, vão evitar a velha receita de destruir territórios, como se não houvesse alternativas..Neste caso, poupar o Alto Minho é defender um ecossistema extensivo de pastagens e espécies selvagens em habitats próximos da nossa principal área protegida - o Gerês. É preservar Montalegre, Boticas e a região envolvente, onde há um património histórico e populações que se dedicam a viver para nós, os da cidade. Ou seja, a produzir biodiversidade e alimentos que nos entram pelos supermercados, como surgidos de lugar nenhum..E por isso é que é tão dramático ver um país que já está a explorar um filão como o turismo - com todo o impacto que ele significa -, querer acumular, em cima disso, exploração mineira que, no limite, destrói o próprio território. Uma miríade que põe em causa o que está a prosperar na nossa principal base de sucesso económico: mais de 17 milhões de visitantes só em 2022, além da vinda de novos residentes, surpreendidos pelas ainda extraordinárias condições ambientais de Portugal em pleno século XXI..A nossa geração não pode vender rigorosamente tudo o que país tem. Porque se realmente é assim, como parece estar a ser, então isto não é um país, é uma plataforma comercial..Jornalista