Angola: 50 anos depois, a promessa ainda por cumprir

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À meia-noite de 11 de novembro de 1975, uma bandeira vermelha, preta e dourada ergueu-se sobre a praça Primeiro de Maio, em Luanda. Um combatente e uma criança içaram-na juntos, como mostra a histórica fotografia do Diário e Notícias que publicamos nesta edição.

No mesmo instante, Agostinho Neto proclamava a independência de Angola, prometendo a “construção de uma sociedade justa e de um Homem Novo”, assinalava a notícia publicada há 50 anos no DN. A libertação chegava em condições dramáticas, mas carregada de esperança, com o fim de cinco séculos de domínio colonial e o início de uma nova história.

A história, porém, raramente cumpre de imediato as promessas que acende. Angola viveu 26 dos seus 50 anos de independência em guerra. “O país deixou-se armadilhar num conjunto de problemas estruturais que asfixiam o desenvolvimento económico e social”, observa António Costa Silva numa entrevista que também publicamos nesta edição.

O modelo de desenvolvimento económico e social, que se baseia sobretudo no petróleo, uma economia de enclave, depois não tem interação com os outros setores da economia nacional. Criou riqueza fácil, mas também dependência e desigualdade.

O antigo ministro português da Economia e profundo conhecedor da economia angolana recorda que, entre 2002 e 2015, segundo o Centro de Estudos de Investigação Científica da Universidade Católica de Angola, o país “ granjeou cerca de 740 mil milhões de dólares de receitas petrolíferas” e que “só se conseguiu rastrear a aplicação de 110 mil milhões, o resto desapareceu”.

Não tem dúvidas de que “a corrupção também é o grande elefante na sala” e que “se o país tivesse usado os 730 mil milhões de dólares que desapareceram a investir na educação, na saúde, na diversificação da economia, seria um país completamente diferente”.

Cinco décadas depois, Angola confronta-se com o espelho das suas contradições. A paz foi conquistada, mas a pobreza persiste, com mais de 11 milhões de pessoas a viver em pobreza extrema - “uma espécie de Luanda que sozinha passa fome”, nas palavras de Costa Silva.

O próprio Presidente João Lourenço reconhece que a independência só se cumpre quando se conquista a dignidade de todos. No discurso de investidura, em setembro de 2022, prometeu “diversificar a economia, combater a corrupção e reduzir as desigualdades regionais”.

É um caminho que exige não apenas vontade política, mas também a coragem de romper com um passado que normalizou a abundância sem prosperidade.

Mas Angola tem razões para acreditar que o futuro ainda pode ser melhor que o passado. Costa Silva vê-a como “um epicentro mundial de terras raras” e no corredor do Lobito uma rota capaz de ligar o Atlântico à cintura do cobre e do cobalto. O potencial é imenso: 31 das 51 matérias-primas estratégicas identificadas pela geopolítica contemporânea estão em solo angolano. E, sobretudo, há um recurso que nenhuma crise destrói: 65% da população com menos de 20 anos, que representa a maior força latente do país.

Meio século depois da noite de Luanda, a independência já não se mede só em imponentes desfiles nem em discursos. Mede-se na escola que falta, no hospital que não existe, na terra fértil que continua por cultivar.

Agostinho Neto quis um “Homem Novo”, mas o tempo provou que estes 50 anos não chegaram para dar ao povo a sua libertação através da qualidade de vida. É essa a verdadeira independência.

Vivi em Angola três anos, entre 1989 e 1991, no Lubango, e compreendi porque dizem que África nunca sai da alma de quem lá passa. Dos países por onde passei foi onde encontrei mais esperança e vontade de lutar. Os angolanos têm garra e amam a sua terra. Faltam líderes que pensem primeiro no seu povo e o coloquem acima de tudo.

Diário de Notícias
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