Anatomia de um golpe
Marcos do Val contou à Veja que, a 8 de dezembro do ano passado, foi chamado por Daniel Silveira a uma reunião com Jair Bolsonaro para salvar o Brasil. Segundo o plano, Val teria de apanhar Alexandre de Moraes numa contradição que pudesse levar à decretação de Estado de Sítio e consequentes anulação das eleições e manutenção de Bolsonaro no poder. Segundo disse à revista, recusou-se a participar.
Um parêntesis para apresentações: Val é um senador bolsonarista apelidado de "doido varrido" pelos pares parlamentares; Silveira é um ex-deputado que se notabilizou por ter quebrado a placa em memória de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro executada, e por ter insultado os juízes do Supremo; Moraes, presidente do tribunal que supervisionou as eleições, é o juiz do Supremo que mandou prender Silveira por esses insultos; Bolsonaro é o ex-presidente que recusou reconhecer a vitória do sucessor Lula da Silva, a cuja posse faltou.
Na tal reunião, Silveira (com, no mínimo, a anuência de Bolsonaro) disse que o plano, previamente acordado com o Gabinete de Operações Especiais, que forneceria os recetores de escuta, era do conhecimento de apenas cinco pessoas - presume-se que os três interlocutores, o chefe daquele gabinete, general Augusto Heleno, e mais alguém.
Para tentar identificar esse "alguém" devemos avançar um mês no tempo: a polícia encontrou uma minuta de decreto de Estado de Sítio, nos termos discutidos naquela reunião, na casa de Anderson Torres.
Nova apresentação: Torres foi ministro da Justiça de Bolsonaro até aos últimos dias de 2022, quando transitou para a secretaria de Segurança do Distrito Federal, cuja principal atribuição é assegurar a paz na Praça dos Três Poderes. Logo que chegou ao novo emprego, no entanto, foi de férias para a mesma Florida onde já se encontrava Bolsonaro, deixando os Três Poderes à mercê dos vândalos do dia 8 de janeiro, motivo pelo qual a polícia o prendeu e fez a tal busca à sua casa onde encontrou a minuta golpista.
Chegamos então àquele momento cliché dos filmes policiais em que o investigador, altas horas da noite, acompanhado de uma chávena de café, olha pensativo para as fotografias dos suspeitos e para a linha do tempo estampadas num painel na parede.
No início de dezembro, Silveira e Val, com o conhecimento prévio de Heleno e Torres, encontraram-se às escondidas do Brasil nos porões de uma das residências do então, supostamente deprimido e recluso ainda presidente da República, cuja fotografia, ligada por setas aos demais, serve de elo entre todos.
Como Val se recusou a gravar Moraes, os golpistas partiram então para o Plano B - invadir, a 8 de janeiro, com a concordância premeditada do ausente Torres, a sede dos Três Poderes.
Aliás, Plano C: dias antes, na Véspera de Natal, um assessor de Damares Alves, ex-ministra dos Direitos Humanos, e outros dois terroristas só não explodiram um camião nas imediações do aeroporto de Brasília, que justificaria um decreto de Estado de Sítio, por erro técnico.
O plano do Estado de Sítio via gravação de Moraes, falhou. O da bomba que mataria centenas de inocentes no aeroporto, também. E o da invasão combinada com setores das polícias e das Forças Armadas aos Três Poderes, idem.
Afinal de contas, o tal elo entre todos os suspeitos estampado no painel na parede, não haveria de ser competente como golpista, depois de ter sido incompetente como soldado, como deputado e como presidente.
Jornalista, correspondente em São Paulo