Opinião
10 maio 2022 às 22h09

Não há perseguição ao comuna?

Pedro Tadeu

Uma associação de ucranianos denunciou que em Setúbal (presidência CDU), Aveiro (PSD), Gondomar (PS) e Albufeira (PSD) os refugiados da guerra na Ucrânia estavam a ser recebidos por, cito as palavras que Pavlo Sadokha usou na RTP, a 29 de abril, "russos e ucranianos pro-Moscovo".

Este presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal afirmou que avisou essas autarquias do facto e que, nessa data, apenas a algarvia alterara a situação.

Nessa manhã o jornal Expresso titulara, em manchete, "Ucranianos recebidos em Câmara CDU por russos Pró-Putin".

O comentador Marques Mendes, no dia 1 de maio, na SIC, afirmou que "o que se passou em Setúbal é parecido com espionagem de guerra" por, supostamente, estarem a ser passados dados pessoais dos refugiados à Rússia. Mendes acrescentou que a autarquia da CDU é "culpada" por não ter retirado os russos do processo de receção aos refugiados ucranianos.

O comentador, e praticamente todos os analistas e cronistas, que nos dias seguintes arrasaram a Câmara de Setúbal, não analisaram, porém, as denúncias similares sobre as câmaras PS e PSD.

No dia 5 de maio a CNN noticiava que a câmara de Portimão (PS) envolvera na receção a refugiados ucranianos a "Associação Capela", indicada pelo mesmo Pavlo Sadokha aos serviços secretos portugueses (SIRP). A Câmara de Portimão anunciou que, apesar dessa informação, manteria ativo o trabalho com essa associação. Não li mais nada sobre isso.

A mesma notícia especificava que nessa lista de denúncias entregue ao SIRP constava, em Aveiro, a Associação de Apoio ao Imigrante. O presidente da Câmara de Aveiro, Ribau Esteves, tinha negado a 29 de abril o trabalho da edilidade com essa associação. A cidadã ucraniana que lidera essa entidade garantira entretanto, ao Diário de Aveiro de 3 de maio, não ter ligações com a embaixada russa e que encaminhava pessoas para o Alto Comissariado para as Migrações (ACM).

Na câmara da Guarda, segundo o jornal digital Observador de 5 de maio, um grupo de refugiadas ucranianas foi repentinamente transferido daquela cidade para Fornos de Algodres, por ordem do ACM. Elas acusam a câmara de lhes não ter fornecido comida suficiente, de lhes ter retirado os documentos durante muitos dias e de "uma mulher da Rússia", com quem se desentenderam, estar envolvida no acompanhamento do seu caso. Toda esta conflituosa descrição, negada ou contextualizada pela câmara nesse mesmo artigo, não teve impacto político relevante. A câmara é gerida pelo grupo de cidadãos "Pela Guarda".

No seu comentário de 8 de maio Marques Mendes, que aqui serve meramente de exemplo sobre o tom geral da análise política a este caso, voltou a criticar na SIC a câmara de Setúbal, acrescentou-lhe governo, PS e António Costa, mas não falou das polémicas nas outras câmaras.

O jornal Público de ontem voltou ao caso de Setúbal e noticia que a Associação dos Imigrantes dos Países do Leste, posta sob suspeita de enviar dados de refugiados à Rússia, recebeu, de 2013 a 2019, mais de 126 mil euros entregues pelo ACM e, a seguir, nos últimos três anos, mais de 29 mil euros anuais da autarquia de Setúbal. Esse subsídio foi aprovado por todos os partidos, incluindo aqueles que agora querem a demissão do presidente da Câmara, André Martins.

Note-se que, até ontem, citado pelo mesmo jornal, o ACM, que é quem controla nacionalmente a receção aos refugiados, afirmava que "não tem conhecimento de que a atuação das associações reconhecidas tenha envolvimento ou ligação política ao governo russo".

Entretanto, a Câmara Municipal de Lisboa atribuiu funções de apoio aos refugiados ucranianos à associação de Pavlo Sadokha, o denunciante dos pró-russos, por indicação da Embaixada da Ucrânia, o que levou o PCP a levantar o problema: e quem protege os refugiados que não gostam do governo ucraniano?...

Olho para esta descrição e pergunto: Porque carga de água é que só o PCP e a CDU levam pancada, são investigados, são criticados, são acusados pelos processos de receção aos refugiados ucranianos? Porque é que as outras autarquias, com procedimentos similares ou também controversos, são poupadas a esse escrutínio? Porque é que as instituições nacionais com responsabilidades nesta operação são esquecidas?

Isto não é perseguição ao comuna?... Não?... É democracia?...Ah!

Jornalista

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